Capitu nasceu no final do século
XIX. É inteligente, bonita e esperta. Uma garota humilde, mas avançada e independente,
muito diferente da mulher vista como modelo pela sociedade patriarcal daquela
época. Como uma das principais personagens da nossa literatura, Capitu será
eterna. Assim como serão eternas as discussões de um dos temas preferidos dessa
trama machadiana: Capitu
traiu ou não seu marido Bento Santiago, o Bentinho?
Na época de seu lançamento o romance
era visto como o relato inquestionável de uma situação de adultério, do ponto
de vista do marido traído. Afinal, é o marido, Bentinho, o narrador da
história. É sob o olhar desse homem apaixonado que a trama se desenrola.
Depois dos anos 1960, quando
questões relativas aos direitos da mulher assumiram importância maior em todo o
mundo, surgiram interpretações que indicavam outra possibilidade: a de que a
narrativa pudesse ser expressão de um ciúme doentio, que cega o narrador e o
faz conceber uma situação imaginária de traição.
No entanto, mesmo sobre a
perspectiva de novos valores, a dúvida continua. Esta persistente incógnita nos provoca a olhar
com mais atenção para a construção psicológica dessa personagem. E então, nos
deparamos com uma característica fundamental dessa mulher: Capitu é uma mulher misteriosa,
enigmática, inexplicável. Seu comportamento, suas atitudes e suas falas quase
sempre não nos permitem entrever sua interioridade. Aquilo que ela pensa
permanece recluso dentro dela, e podemos apenas fazer suposições a respeito.
A complexidade dessa personagem. Seus
mistérios. A falta de transparência
mantém a eterna dúvida sobre a sua possível traição. O que quer essa mulher? – podemos
perguntar. Betinho não sabia, assim como nós continuamos a não saber. Ela era
capaz de trair? Era. Ela traiu? Nunca vamos saber.
O enigma feminino é algo que perturba
profundamente os homens. Freud foi um dos primeiros a confessar. Em um mundo em
que a transparência é a lei, o mistério causa angústia. Superfícies transparentes
acalmam, as opacas exigem mais cuidados e atenção. É mais fácil à convivência
com mulheres com estruturas psíquicas simples. Seus interesses e valores mudam
muito pouco ao longo da vida. Podem dizer tudo o que pensam, porque pensam
muito pouco. Como discos furados, repetem sempre o mesmo discurso. Dificilmente
saem da zona de conforto que constroem em torno de si.
Por outro lado, as “Capitus” jamais
se revelaram por inteiro. Por não terem uma visão maniqueísta da vida, o
mistério e o enigma fazem parte de seu modo de ser. Por isso mesmo, exigem muito mais
atenção e coragem de seus parceiros. Homens sem coragem e sem interesse por esse
tipo de mulher costumam chamá-las de dissimuladas. Um valor moral negativo, que
esconde o medo de ser surpreendido pelo Outro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário