segunda-feira, 2 de julho de 2012

O Mistério Feminino



Capitu nasceu no final do século XIX. É inteligente, bonita e esperta. Uma garota humilde, mas avançada e independente, muito diferente da mulher vista como modelo pela sociedade patriarcal daquela época. Como uma das principais personagens da nossa literatura, Capitu será eterna. Assim como serão eternas as discussões de um dos temas preferidos dessa trama machadiana: Capitu traiu ou não seu marido Bento Santiago, o Bentinho?

Na época de seu lançamento o romance era visto como o relato inquestionável de uma situação de adultério, do ponto de vista do marido traído. Afinal, é o marido, Bentinho, o narrador da história. É sob o olhar desse homem apaixonado que a trama se desenrola.  

Depois dos anos 1960, quando questões relativas aos direitos da mulher assumiram importância maior em todo o mundo, surgiram interpretações que indicavam outra possibilidade: a de que a narrativa pudesse ser expressão de um ciúme doentio, que cega o narrador e o faz conceber uma situação imaginária de traição.

No entanto, mesmo sobre a perspectiva de novos valores, a dúvida continua.  Esta persistente incógnita nos provoca a olhar com mais atenção para a construção psicológica dessa personagem. E então, nos deparamos com uma característica fundamental dessa mulher: Capitu é uma mulher misteriosa, enigmática, inexplicável. Seu comportamento, suas atitudes e suas falas quase sempre não nos permitem entrever sua interioridade. Aquilo que ela pensa permanece recluso dentro dela, e podemos apenas fazer suposições a respeito.

A complexidade dessa personagem. Seus mistérios.  A falta de transparência mantém a eterna dúvida sobre a sua possível traição. O que quer essa mulher? – podemos perguntar. Betinho não sabia, assim como nós continuamos a não saber. Ela era capaz de trair? Era. Ela traiu? Nunca vamos saber.

O enigma feminino é algo que perturba profundamente os homens. Freud foi um dos primeiros a confessar. Em um mundo em que a transparência é a lei, o mistério causa angústia. Superfícies transparentes acalmam, as opacas exigem mais cuidados e atenção. É mais fácil à convivência com mulheres com estruturas psíquicas simples. Seus interesses e valores mudam muito pouco ao longo da vida. Podem dizer tudo o que pensam, porque pensam muito pouco. Como discos furados, repetem sempre o mesmo discurso. Dificilmente saem da zona de conforto que constroem em torno de si.

Por outro lado, as “Capitus” jamais se revelaram por inteiro. Por não terem uma visão maniqueísta da vida, o mistério e o enigma fazem parte de seu modo de ser. Por isso mesmo, exigem muito mais atenção e coragem de seus parceiros. Homens sem coragem e sem interesse por esse tipo de mulher costumam chamá-las de dissimuladas. Um valor moral negativo, que esconde o medo de ser surpreendido pelo Outro.

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