segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Uma estranha generosidade




Sabemos que a generosidade é uma virtude ética. Como tal, tem valor positivo. Mas como toda virtude, seu excesso transforma-se em vício, já nos ensinou Aristóteles. É sobre a experiência negativa da generosidade que gostaria de fazer algumas pontuações.

Embora não seja fácil de admitir, existe uma complexa aliança entre a generosidade e o egoísmo. A sensação de superioridade que algumas pessoas sentem na capacidade de renunciar seus desejos em nome das demandas dos outros, nada mais é do que uma forma de egoísmo. Diria, seguindo os pressupostos teóricos da psicanálise, que é a face masoquista do egoísmo.

São pessoas que têm consciência de que estão sendo exploradas e mesmo assim se sentem forte, com energia e disponibilidade de sobra para mais um favor para chefe, o amigo, o marido ou esposa, e, principalmente, para os filhos. Parecem não ter limites. Quanto maior a exploração, mais fortes e poderosas elas se sentem.

Algumas vezes, param para reclamar. Dizem sentirem-se tolas. É nesses momentos que podemos constatar o gozo masoquista que sustenta essa mascara comportamental. A posição de inferioridade é vivenciada como poder, portanto, como superioridade. São esses sentimentos antagônicos, derivados da mesma ação, como é o caso da humilhação e da vaidade, que permite ao masoquista continuar sentido prazer na posição que se coloca.

Temos a tendência de imaginar o masoquista como uma pessoa de auto-imagem negativa. Uma pessoa frágil e sem forças para se rebelar. Essa é uma imagem muito simplória. Para o masoquista, a posição de humilhação é um grande alimento da vaidade, portanto, necessária e conveniente para alimentar todo o processo. Há, também, nesse modo de gozo, um grande prazer erótico relacionado com o servir e subjugar-se, pois essa posição implica numa forma sutil de dominação e de poder.


sábado, 17 de setembro de 2011

Estranhos Conselhos


A vida é sem garantia e tem prazo de validade. Para desconforto de alguns, ela não vem com “bula” nem “com modo de usar”: tem que ser conquistada diariamente. Ela não é consequência, é causa. Por conseguinte, contra todo o senso comum, cada um tem que descobrir o seu modo próprio de ser feliz.

Essa é uma visão de vida que, na maioria das vezes, é muito difícil de aceitar. É mais fácil acreditar que alguém, em algum lugar, tem a fórmula da felicidade. Para os pais, de maneira geral, é quase impossível aceitar essa idéia de que a vida não tem fórmula pronta. O amor narcísico impõe a crença de que a partir de suas próprias experiências podem traçar o melhor caminho para os seus filhos. Desse princípio, nascem as numerosas imposições em formato de conselho.

A dificuldade de lançar os filhos no mundo, sem uma grande lista de recomendações, é uma característica comum de todos os pais. Eles carregam a estranha fé de saber o que é melhor para os seus filhos: a melhor carreira, o melhor parceiro, os melhores amigos, o melhor lugar para morar, o melhor caminho a seguir. São os conhecidos “ideais”, que fazem parte de qualquer cultura em qualquer tempo, e que passamos grande parte da vida tentando alcançá-los.

É preciso ter atenção, pois a transmissão desses ideais pode ser muito positiva ou bastante negativa. É positiva quando eles têm por base valores éticos e estéticos: esses são sempre bem vindos. É um dever dos pais a transmissão desses valores. Afinal, valores são construções culturais. Portanto, são aprendidos. Não nascemos com eles.

Mas pode se tornar muito negativa, um verdadeiro tormento para os filhos, quando estes ideais estão assentados nos medos e nas frustrações dos pais. Nestes casos, os pais não estão transmitindo valores e virtudes, mas suas próprias neuroses. No primeiro caso, a transmissão de valores são ferramentas importantes que passamos aos nossos filhos para que eles possam abrir seus próprios e novos caminhos. No segundo, a transmissão de neuroses são pesados grilhões que obrigamos nossos filhos a carregar por caminhos já traçados de antemão.

sábado, 10 de setembro de 2011

Respeito e Gentileza: valores difíceis de encontrar.


Matilde é uma jovem bonita, inteligente, batalhadora e independente. Gosta do que faz e, por isso mesmo, leva muito a sério sua carreira. Como uma boa profissional ganha o suficiente para se manter sem ajuda dos pais, ou depender de um homem.

Matilde já viveu várias histórias de amor. Por não ter preconceito com idade, cor ou raça; a diversidade de seus parceiros é impressionante. Tipos muito diferentes de homens despertaram seu interesse e desejo. Já viveu a experiência de namoros à distância, daqueles que se encontram três ou quatro vezes por ano. Mas também já dividiu a mesma casa com um homem, por um tempo bastante longo.

Essa mulher acredita no amor, numa relação sexual prazerosa, e aposta num relacionamento duradouro e intenso. Mas, como várias outras com esse mesmo perfil, ela ainda não encontrou um parceiro capaz de fazê-la abrir mão de sua vida de solteira. Sabe por quê? Porque ela elegeu como valores maiores, para um relacionamento, a gentileza e o respeito pelo outro.

Valores que, me parecem, não têm nada de delirante, mas que ainda são difíceis de encontrar. Numa cultura onde os homens são muito machistas ou demasiados dependentes, encontrar alguém que esteja disposto a abrir mão do poder fálico para viver uma relação de parceria, ainda é uma raridade.

O respeito e a gentileza só são possíveis quando olhamos para outro com igualdade de direitos. E, ainda hoje, as mulheres são percebidas pelos homens como pessoas com menos direitos. Não estou me referindo aos direitos conquistados por lei. Pela lei, homens e mulheres têm os mesmos direitos. Mas, na vivência diária, não importa o direito que sabemos que o outro tem, o que realmente importa são os direitos que sentimos que o outro tem. É o sentimento, e não a racionalidade, que comanda nossos comportamentos espontâneos do cotidiano.

Parece-me que o desejo de mulheres como Matilde abre uma nova via de relacionamentos, onde a igualdade se dá mais pela subjetividade do que pelo direito.

Maria Holthausen

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

CONVITE



CLARISSA ALCANTARA

Lançamento do Livro
CORPOALÍNGUA
Performance e Esquizoanálise

Dia: 15/09/2011
Hora: 19:00 hs
Local: Restaurante TODA HORA
Rua Dib Mussi, 443
Centro - Florianópolis-SC


sábado, 3 de setembro de 2011

Um discurso difícil




Gostaria de escrever sobre algumas das dificuldades sexuais comuns em qualquer relacionamento. Mas, admito, não é nada fácil escrever sobre a sexualidade. A causa dessa dificuldade não tem nada haver com falta de conhecimento do tema, ou inibição social. Falar e escrever sobre sexo é difícil porque esse tema ainda carrega um alto nível de preconceito.


Por causa desse preconceito, encontramos normalmente três tipos de textos sobre esse tema. O primeiro é o texto técnico ou científico. Neles podemos encontrar, numa linguagem cuidadosamente objetiva, as análises de pesquisas médicas ou psicológicas, e os estudos antropológicos sobre a sexualidade. O segundo é o texto pornográfico ou erótico: aqueles que se lê com uma só mão. E o terceiro é o texto irônico: as piadas apimentadas.

Encontrar uma linguagem para desenvolver qualquer aspecto desse tema, sem precisar usar uma das três formas citadas acima, sempre me pareceu uma tarefa extremamente difícil. Esse é um dos motivos que me fazem gostar dos textos de Freud. Ele construiu um modelo narrativo que atravessa esses modelos padrões. Mesmo como um estudioso do tema, seus textos dialogam com os vários discursos sobre a sexualidade sem se fixar em nenhum.

Outra característica dos textos de Freud que me agrada muito é que ele fala sobre problemas sexuais como: ejaculação precoce, falta de ereção, inibição da libido feminina, impotência masculina, perversão... sem cair no aconselhamento fácil, tão comum nos textos médico encontrados hoje na internet.

Nos textos que acompanhamos hoje, parece haver um só modelo para resolver qualquer dificuldade sexual. Todos os problemas sexuais do contemporâneo, e são tantos e tão diversos, tem como causa o estresse, a falta de dinheiro, a crise da masculidade a hipercobrança feminina e outros tantos problemas causados pela “agitação da vida contemporânea”. Ou seja, as causas são sempre externas. Por isso mesmo, as receitas são sempre as mesmas: Tirar férias, cuidar da alimentação, não exagerar nos medicamentos tarja preta nem qualquer outro tipo de droga, cuidar do colesterol... e se nada disso resolver, busca-se a solução em algum dos produtos milagrosos da indústria farmacêutica.

Acredito que não precisamos fazer dos problemas sexuais uma tragédia. Alguns deles até têm soluções muito fáceis. Mas é impossível acreditar que os caminhos tão singulares da libido tenham todos as mesmas causas e, por consequência, a mesma solução.

Maria Holthausen