segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Qualidade ou Quantidade?



A gente fala de uma relação fracassada porque durou apenas seis meses, ou apenas dois anos. “O meu casamento fracassou porque durou apenas cinco anos.” Quem disse que a duração é um índice da qualidade do relacionamento? E isso vale para a vida. O que faz uma vida valer a pena ou fazer sentido é a qualidade do que foi vivido. Eu levanto para os pais de adolescentes essa questão. Eles estão sempre tentando entender o que devem fazer para que o filho se prepare para o futuro. Isso, claro, é crucial, mas por outro lado a gente nunca deve perder de vista que os filhos não estão se preparando para o futuro, eles estão vivendo agora, a vida deles é agora. Então vale a pena sempre pensar: 'E se meu filho morresse amanhã, qual o balanço da vida dele?'. É doloroso, mas é importante.

De: Cotardo Calligaris

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

O olhar roubado




Toda relação afetiva é constituída de um complexo de emoções que, em vários momentos, temos dificuldades de compreender. Por exemplo, acordamos perdidamente apaixonados por alguém, a quem podemos ir dormir odiando. Amamos profundamente uma pessoa e a odiamos com a mesma intensidade quando sentimos ciúme. Como entender isso? Como explicar uma mudança de afeto tão radical?
Freud colocou o amor no registro do narcisismo. Primeiramente amamos a nós mesmo, depois amamos o outro que nos ama. Nesse movimento, logo que o sentimento amoroso é despertado inicia-se o processo de captação da pessoa amada. Esse outro precioso vai ser incluído na imagem de nosso próprio eu.
Por se constituir como uma parte de nossa própria imagem, todo movimento da pessoa amada produz efeitos nessa imagem. Um olhar apaixonado nos ilumina nos faz sentir felizes e apaixonados. Um olhar de recriminação nos atinge com toneladas de culpa, que na maioria das vezes, não sabemos exatamente de onde vem. Um olhar triste nos faz sentir impotentes, incapazes perante a vida.
Nesse movimento especular, o olhar da pessoa amada se constitui num espelho vivo. Já não precisamos olhar no espelho, é o olhar do amado que nos define. Mas quando o amado nos rouba seu olhar deixamos de existir, perdemos toda a consistência imaginária.
Aí, nesse momento, se instala um sentimento muito doloroso: o ciúme. Sentir ciúme é constatar que o amado já não nos olha, ele olha para outro. O desespero de perder, a raiva, o medo, a frustração fazem parte dos afetos provocados por esse roubo. Sentimo-nos roubados de uma parte, talvez a mais preciosa, de nós mesmo.
Aquele que nos provoca ciúme é um ladrão. Um ladrão desse objeto tão precioso em qualquer relação amorosa, o olhar. Quem perde o olhar do outro, perde parte de si mesmo. Quem perde o olhar do outro, tem a sensação que deixou de existir.  

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Na contramão da ditadura da memória



“É mais importante entender do que recordar, ainda que para entender seja necessário, também, recordar”.

Susan Sontag

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Ao comando!



Aprenda o mais simples!
Para aqueles cuja hora chegou,
Nunca é tarde demais!
Aprenda o ABC; não basta,
Mas aprenda! Não desanime!
Comece! É preciso saber tudo!
Você tem que assumir o comando!

Aprenda, homem no asilo!
Aprenda, homem na prisão!
Aprenda, mulher na cozinha!
Aprenda, ancião!
Você tem que assumir o comando!


Frequente a escola, você que não tem casa!
Adquira conhecimento, você que sente frio!
Você que tem fome, agarre o livro: é uma arma.
Você tem que assumir o comando!

Não se envergonhe de perguntar, camarada!
Não se deixe convencer.
Veja com seus olhos!
Aquele que não sabe por conta própria
não sabe.
Verifique a conta:
É você quem vai pagar.
Ponha o dedo sobre cada item.
E pergunte: “o que é isso?”
Você tem que assumir o comando!

Bertold Brecht

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Retratos da Vida





Sobre o palco da Segunda Guerra, quatro famílias, de quatro lugares diferentes – Moscou, Paris, Berlim e Nova York -, constroem a trama de Les Uns et les Autres, filme de Claude Lelouch. Traduzido para o português como Retratos da Vida, o filme de 1981, converte a música “Bolero de Ravel” em signo de resistência ao mal estar da cultura.

E é a música, mais do que a guerra, a linguagem que dá consistência a narrativa e une os personagens. Uma união sutil, já que suas vidas não se cruzam. No entanto, por quase duas horas, nós, telespectadores, acompanhamos o desenvolvimento dessas quatro histórias diferentes, que o olhar desse sensacional fotógrafo transforma em uma excelente narrativa.

O filme começa no ano de 1936, em Moscou, onde a dançarina Tatiana apresenta-se diante de um comitê que vai escolher aquela que dançará o “Boléro de Ravel”, e se tornará a 1ª bailarina do Bolshoi. Ela não é a escolhida mas pouco depois, casa-se com o músico e um dos examinadores, Boris Itovitch. Depois que o casal tem um filho, Sergei, a Rússia é invadida pelas tropas nazistas, e Boris é convocado pelo exército, morrendo no campo de batalha.

A segunda história se desloca para a cidade de Paris. No ano de 1937, uma jovem e promissora violinista, Anne, apaixona-se e se casa com o colega e pianista judeu, Simon Meyer. Em agosto de 1942, durante a ocupação da cidade pelas forças nazistas, o casal é deportado para um campo de concentração, levando consigo o filho Robert, com apenas alguns meses de idade. Quando o trem, que os leva, para na pequena cidade de Igney-Avricourt, eles abandonam o bebê entre os trilhos da ferrovia, na esperança de que alguém o encontre. Um adolescente, ao passar de bicicleta, o apanha e o deixa à porta de uma pequena igreja a 50 km do local. Robert é, então, criado pelo padre Antoine, com o nome de Robert Prat. Seu pai, Simon, é morto numa câmara de gás do campo de concentração.

O ano de 1938 desloca a narrativa para Berlim. O enorme sucesso de Karl Kremer, um jovem pianista, é confirmado quando ele recebe os cumprimentos pessoais de Hitler. A eclosão da guerra, em 1939, o leva a deixar sua mulher, Magda, a fim de lutar por seu país. Quando as tropas alemãs ocupam Paris, em junho de 1940, Kremer desfila a frente de seu batalhão. Ele permanece na capital francesa, durante todo o período da ocupação.

Por fim, em 1939, na cidade de Nova York, durante uma apresentação de Jack Glenn e sua orquestra, após ele dedicar sua última composição à sua jovem mulher, a cantora francesa Susanne, o show é interrompido para ser anunciado que, face à invasão da Polônia pelas tropas nazistas, a Inglaterra e a França declararam guerra à Alemanha. Em dezembro de 1942, Jack deixa a mulher e seus dois filhos pequenos, Jason e Sarah, ao viajar para Londres onde, à frente de uma orquestra militar, proporciona shows para entretenimento dos soldados. Logo após a libertação de Paris pelas forças aliadas, em agosto de 1944, Jack anima a festa popular da vitória num dos parques da capital francesa. Na multidão que canta e dança ao som de sua orquestra, encontram-se o padre Antoine, com o pequeno Robert em seus braços, assim como, Evelyne, uma jovem cantora francesa que, durante o período da ocupação, teve vários amantes entre os oficiais nazistas.

Essas são as pequenas histórias, dramas subjetivos datados que se transformam no gatilho dessa comovente e honesta narrativa que Lelouche nos oferece.

É um filme longo, portanto, ótimo para ver, ou rever, nesse período de férias.