quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

O olhar roubado




Toda relação afetiva é constituída de um complexo de emoções que, em vários momentos, temos dificuldades de compreender. Por exemplo, acordamos perdidamente apaixonados por alguém, a quem podemos ir dormir odiando. Amamos profundamente uma pessoa e a odiamos com a mesma intensidade quando sentimos ciúme. Como entender isso? Como explicar uma mudança de afeto tão radical?
Freud colocou o amor no registro do narcisismo. Primeiramente amamos a nós mesmo, depois amamos o outro que nos ama. Nesse movimento, logo que o sentimento amoroso é despertado inicia-se o processo de captação da pessoa amada. Esse outro precioso vai ser incluído na imagem de nosso próprio eu.
Por se constituir como uma parte de nossa própria imagem, todo movimento da pessoa amada produz efeitos nessa imagem. Um olhar apaixonado nos ilumina nos faz sentir felizes e apaixonados. Um olhar de recriminação nos atinge com toneladas de culpa, que na maioria das vezes, não sabemos exatamente de onde vem. Um olhar triste nos faz sentir impotentes, incapazes perante a vida.
Nesse movimento especular, o olhar da pessoa amada se constitui num espelho vivo. Já não precisamos olhar no espelho, é o olhar do amado que nos define. Mas quando o amado nos rouba seu olhar deixamos de existir, perdemos toda a consistência imaginária.
Aí, nesse momento, se instala um sentimento muito doloroso: o ciúme. Sentir ciúme é constatar que o amado já não nos olha, ele olha para outro. O desespero de perder, a raiva, o medo, a frustração fazem parte dos afetos provocados por esse roubo. Sentimo-nos roubados de uma parte, talvez a mais preciosa, de nós mesmo.
Aquele que nos provoca ciúme é um ladrão. Um ladrão desse objeto tão precioso em qualquer relação amorosa, o olhar. Quem perde o olhar do outro, perde parte de si mesmo. Quem perde o olhar do outro, tem a sensação que deixou de existir.  

Nenhum comentário:

Postar um comentário