domingo, 27 de novembro de 2011

“Paz e Amor”: O sonho de uma geração.



Minha geração sonhou mudar o mundo. Mergulhados em novos clichês ideológicos – constituídos, principalmente, pelas teorias psicanalítica e marxista - fomos para as ruas exigir a inscrição de novos valores sociais. Lutamos bravamente pelo direito de sonhar com uma sociedade livre dos valores “burgueses”. Questionamos as várias teses da velha ideologia burguesa que afirmava, por exemplo, que a maternidade era um instinto “natural” das mulheres.

Lemos Freud e Marx – este último sempre escondido, seus textos foram proibidos na época da ditadura - acompanhamos, com fé cega, as dezenas de autores, cineasta e analistas sociais que reverberavam a crítica da ideologia burguesa, iniciada no final do século XIX, por esses dois grandes contraventores da ordem estabelecida.

Nosso maior alvo era a família, núcleo fundamental para a disseminação dos valores bolorentos da burguesia. Acreditávamos que a essência das mudanças aconteceria no núcleo familiar. Na busca de novas formas de união, criamos comunidade hippies e anarquistas, aonde a liberdade das relações afetivas ia de encontro aos vínculos, que considerávamos opressores, do casamento burguês oficializado pela igreja católica e respaldado pelo código civil que delegava todos os direitos à representação paterna.

Nossa esperança era a de que as novas gerações – nossos filhos – estariam livres da “opressão” dos valores familiares. E que os grupos sociais que se formariam, na esteira da afirmação das diferenças, como os homossexuais, seriam fundamentais para a invenção de novas formas de prazer. Prazeres que a família burguesa nunca antes sonhara.

Nossos sonhos não se realizaram, mais nossa luta provocou muitas mudanças. Hoje, os valores familiares não são mais aqueles das décadas de 60 e 70, do século passado. A família constituída pelo “pátrio poder” agoniza nos rincões evangelizados dos pequenos grupos. Para o espanto de muita gente da minha geração, os jovens homossexuais exigem o direito de constituir uma família. E, perplexos, constatamos que a exigência deste direito tem um efeito de mudança, no conceito de família, muito maior do que aquele que sonhamos um dia.



domingo, 20 de novembro de 2011

Síndrome de Shrek

Shrek é um ogro feliz. Apaixonou-se pela jovem princesa e foi correspondido. Casou-se com ela, teve três filhos adoráveis e continuou mantendo os laços de amizade com os companheiros de aventuras da época de solteiro. Shrek realizou seu conto de fadas. Conquistou uma vida afetiva sólida, tornou-se um ogro respeitável e nada assustador.

Um belo dia, Shrek se da conta da rotina sem graça que tomou conta de sua vida. Seu dia-a-dia tornou-se uma sucessão de compromissos que precisavam ser cumpridos para manter o bem-estar da família. A vida tinha perdido o encanto, as obrigações roubaram-lhe o brilho da felicidade. Mergulhado no marasmo das repetições cotidianas, passa a encantar-se com as memórias da época em que era um ogro assustador e livre. Lembranças antigas das aventuras que o faziam sentir-se um “ogro de verdade”.

A frustração desperta um sentimento de raiva que o ogro acaba projetando na mulher e nos filhos. Culpa a família pelo seu mal estar e melancolia. Nesse momento, surge um personagem que lhe oferece a oportunidade mágica de fugir do cotidiano por um dia. Claro que a ideia é encantadora. Por um dia poder voltar ao passado, viver sem o peso das obrigações. Sherk não resiste, aceita a proposta, embalado pela perspectiva de recuperar a sua liberdade. Entusiasmado, não percebe o logro da proposta.

Essa sensação de frustração causada pelas memórias de um tempo para sempre perdido, tão bem representada nessa fábula contemporânea, não tem nada de estranho, ou excepcional. Todo ser humano, em algum momento de sua vida, será tomado por ela. Não tem nada haver com a consciência de ter cometido um erro, ou a decepção de descobrir que o amor acabou.

Como Sherk, sentimos que continuamos a amar os nossos parceiros, mas esse amor já não tem mais o brilho que costumava ter. A vida parece ter paralisado. Não conseguimos vislumbrar nenhum sinal de mudança. Surge uma enorme necessidade de partir, dar um tempo, terminar com o comodismo a sair em busca de novos sonhos. É claro que o parceiro, assim como Fiona, não entende nada do que está acontecendo, e por isso sofre. Esse sofrimento nos causa culpa. A culpa aumenta o mal estar.

Na maioria das vezes, largamos tudo. Fazemos as malas e partimos em busca de novas aventuras. Esta decisão, mesmo acompanhada de muito medo, é a mais comum, e, penso, a mais ética com o parceiro. Mesmo que de início lhe cause muita dor. Em muitos casos, assim como na fábula do ogro, depois de certo tempo voltamos a querer conquistar o parceiro abandonado. O amor, antes adormecido, ganha novo brilho.

Outras vezes, fugimos do marasmo pela via da infidelidade. Um olhar de desejo lançado em nossa direção faz surgir à esperança de uma nova felicidade e de novas aventuras. Mas, se o que estamos sentindo é só um “momento sherk”, essa nova aventura vai durar pouco tempo. Ela terá a função de acordar sentimentos adormecidos.

domingo, 13 de novembro de 2011

A cultura da Multitarefa é feminina?



A correria da vida contemporânea produziu a cultura da multitarefa. Nela as mulheres parecem sair-se muito bem. Pois, segundo o senso comum, uma das características do feminino é essa capacidade de realizar várias tarefas simultaneamente. Assim sendo, as mulheres são as mais adaptadas à rapidez dos fluxos e refluxos da vida atual.

Será que esse “potencial” feminino é um privilégio, ou é, apenas, uma nova forma de operar com o gozo masoquista? Acredito que seria um privilégio se graças a esse potencial, as mulheres tivessem mais tempo para si mesmas. Afinal, reservar um tempo para sair da rotina pesada é tão importante - se não mais - do que estar nela. Organizar nossas vidas em torno do imperativo de não fazer nada, pode ser a abertura que precisamos para descobrir o prazer das coisas simples e sensuais, que se pode ter na vida diária, se simplesmente deixarmos nossos cabelos soltos ao vento.

Por outro lado, acredito que essa cultura é um gozo masoquista, quando observo aquela estranha satisfação, que algumas mulheres demonstram ter, ao confessar o seu apetite de lobo por tarefas torturantes, listas e obrigações irritantes e culpa constante. Para elas, a noção de que todos têm o direito de algumas horas diárias de fecundo ócio é tão estranha que até parece crime contra a humanidade.

Se você é mulher deve concordar comigo que a palavra ócio, hoje em dia, é quase obscena no mundo feminino. Ócio, disse-me uma amiga outro dia, é coisa de adolescente que fica fechado no quarto na frente do computador ou da televisão por horas a fio. Ou seja, ócio é sinônimo de apatia. Esquecemos que existem outros modos de viver o ócio que não tem nada de apático. Ter tempo para curtir uma banheira com água morna e com uma boa ducha para massagear o corpo pode ser o que precisamos para ter um sorriso no rosto e a vontade de um beijo prolongado quando o marido, ou namorado, chegar para o jantar. Jantar que pode ser uma simples omelete, um pedaço de pão e um copo de vinho. Não dá trabalho e é delicioso. Quantas vezes por semana você consegue fazer um programa desses?

É bem provável que as mulheres “multitarefas” do tipo masoquista, nunca encontrem tempo para fazer esse tipo de programa. Sua energia libidinal está toda dirigida para agenda: as dezenas de coisas a fazer, ou por fazer. Sua vida sexual já entrou para o rol das tarefas a serem cumpridas, já perdeu todo encanto e paixão. Afinal, encanto e paixão não se agendam, é preciso ter espaço para desfrutá-las.

sábado, 5 de novembro de 2011

Família: uma espécie em mutação



A família tradicional não existe mais. Não podemos dizer que foi eliminada totalmente, mas, com certeza, é uma espécie em extinção. Desde os anos 50 do século passado, com o advento da pílula anticoncepcional e o movimento feminista, a família tradicional vem passando por freqüentes mutações. No final do século XX, os avanços da ciência e dos costumes tornaram possíveis mudanças antes impensáveis no processo de reprodução humana: A inseminação artificial, a inseminação in vitro com subseqüente implantação intra-uterina, a doação de esperma ou de óvulos, as barrigas de aluguel até, por fim, a clonagem.

Todas essas inovações tecno-científicas associadas às transformações dos costumes operaram uma alteração molecular na estrutura dessa instituição chamada família. Desde a época em que uma filha solteira e grávida era considerada uma transgressão ética, uma perda da honra familiar. - Os pais tinham que esconder a filha porque seu estado acabaria contaminando a honra das irmãs. Algumas dessas jovens foram colocadas em Manicômios com diagnóstico de perversão, e seus filhos foram dados para adoção -. Até os nossos dias, a foto “da” família já não é mais a mesma.

Pouco resta da antiga família patriarcal, regida por um pai autoritário e senhor todo poderoso do seu domínio. A foto “da” família contemporânea tem aparência de colagem: Famílias rompidas e recompostas muitas vezes. Família de casais homossexuais que passaram a pleitear a adoção ou mesmo a paternidade ou maternidade, usando os novos recursos que prescindem da prática do coito. E tantas outras formas criadas pela necessidade de se adaptar a esse borramento de fronteiras tão característico da sociedade contemporânea.

Para sempre perdida, a ideia “da” família como união reconhecida entre um homem e uma mulher com fins de criar e manter os filhos precisa urgentemente ser repensada pelas novas gerações. Pois, embora muito diferente, a família continua sendo um lugar fundamental para o exercício das vivencias afetivas mais intensas de todo ser humano.