quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Na hora de pôr a mesa, éramos cinco




Na hora de pôr a mesa, éramos cinco:o meu pai, a minha mãe, as minhas irmãs
e eu, depois, a minha irmã mais velha
casou-se. Depois, a minha irmã mais nova
casou-se. Depois, o meu pai morreu. Hoje,
na hora de pôr a mesa, somos cinco,
menos a minha irmã mais velha que está
na casa dela, menos a minha irmã mais
nova que está na casa dela, menos o meu
pai, menos a minha mãe viúva. Cada um
deles é um lugar vazio nesta mesa onde
como sozinho. Mas irão estar sempre aqui.
Na hora de pôr a mesa, seremos sempre cinco.
Enquanto um de nós estiver vivo, seremos
sempre cinco.



José Luis Peixto - poeta português 




quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Poema de Natal





Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.




Vinicius de Moraes

BOAS FESTAS!



sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Ela não perdeu a doçura


Marina da Silva conta um pouco da sua história de vida. Uma vida, como de muitas outras mulheres, cheia de lutas e superações.

Comecei minha existência no seringal, em um lugar chamado Bagaço, a 70 quilômetros de Rio Branco. Aprendi com meus pais a fazer tudo o que um menino ou uma menina que vive no seringal aprende. Aos 10 anos, o meu trabalho e o de meus irmãos era levantarmos todo dia muito cedo para ir cortar seringa. Eu, particularmente, acordava sempre às 4 da manhã, cortava uns gravetos, pegava uns pedaços de seringuins, acendia o fogo, fazia o café e uma salada de banana perriá com ovo. Esse era o nosso café da manhã. Aprendi a sobreviver às secas do Nordeste e depois à floresta úmida da Amazônia, tirando dali a sobrevivência de minha família.



Muito do que sou devo à minha família "sui generis", uma família de matriarcas. Fui criada pela minha avó em uma casa cheia de pessoas idosas. Eu criança no meio de seis adultos, registrava o que havia de melhor na experiência de vida daquelas pessoas. Tinha 14 anos quando minha mãe morreu. Fiquei um ano sem poder trabalhar porque estava com hepatite. No entanto diagnosticaram como malária. Quase morri. Impossibilitada de trabalhar, comecei a sentir uma tristeza muito grande. Hoje eu sei que chamam isso de depressão, mas naquele tempo a gente chamava aquilo de tristeza esquisita.


Certo dia fiz a opção de ser freira. Minha avó dizia: "Minha filha, freira não pode ser analfabeta". Eu não estudava porque, não tinha escola nos seringais. Resolvi que tinha que cuidar da minha saúde e estudar. Sempre fui uma pessoa de fé. Comecei a rezar durante um mês, pedindo que Deus tocasse o coração do meu pai e ele me deixasse ir para a cidade estudar. Quando fiz o pedido ele respondeu: "Você quer ir agora ou na outra semana, porque a gente tem que vender borracha para você levar algum dinheiro". Ajoelhei numa moita e rezei. Fiquei feliz da vida. A noticia chegou aos ouvidos do meu avô que hoje tem 102 anos. A oposição morre de medo que eu viva o mesmo tanto que ele. "Que história é essa dessa menina ir para rua estudar? Ela tem que ficar aqui cuidando da casa. Daqui a nove meses ela vai voltar embuchada e você não pode dizer que eu não avisei", vociferou.


Mas eu fui. Trabalhei como empregada doméstica e comecei a cursar o primário. Depois veio o ginásio. Acordava às 5 horas para aguar a horta. Terminava de limpar a cozinha às 8 da noite. Comprei várias velas, um despertador velho, tapei as frestas da porta para que a irmã Verônica não visse a claridade e estudava até as 3 da manhã. Durante um mês estudei muito e consegui passar.


No pré-noviciado ouvia falar num tal de Chico Mendes. Um dia vi um cartaz anunciando um curso de formação política para lideranças sindicais. Me inscrevi. A irmã perguntou que curso era e eu respondi que era oferecido pelo padre. Se ela soubesse que era para ouvir Leonardo Boff ela não tinha deixado. Os dois foram pessoas importantes em minha adolescência. Fiquei encantada com a Teologia da libertação. Uma ideia que a gente conhece a árvore pelos frutos que ela dá. De que a árvore que não dá frutos deve ser jogada no fogo.


Dali pra frente o desejo de ser freira ficava cada vez mais distante. Uma vida de oração já não era mais possível. Voltei para a periferia, perdi o vestibular em 79 por causa de uma hepatite. Em 1980 conheci o pai dos meus filhos. Já estava casada quando participei de um grupo de teatro amador que se chamava "Semente". Fazia o papel de chita, uma macaca imperialista que junto com o Tarzan queria invadir a Amazônia. A carreira artística não prosperou muito, mas aprendi a costurar e comecei a fazer figurinos de teatro. Uma madrugada acordei com os gritos do meu amigo Alberto Rocha gritando: "Macaca, tu passou!" Eu havia passado no vestibular para história.


Milhares de pessoas estão aguardando oportunidades. Mas, infelizmente elas são exceção, não são regra. O sistema durante muito tempo tem apoiado as exceções e mantém um discurso reacionário e conservador. Durante muito tempo alguns tentaram me rotular como exemplo da exceção para reforçar esse discurso conservador. Graças a Deus, a minha consciência política nunca me deixou me prestar a esse tipo de papel. Sempre vou trabalhar para que mais e mais pessoas possam ter oportunidades.





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terça-feira, 8 de dezembro de 2009

A verdade possível




A única verdade possível é a verdade que advém das vivências cotidianas e díspares, e nunca algo puro ou tão somente racional que se impõe de fora da experiência subjetiva.

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terça-feira, 1 de dezembro de 2009

CONVITE



Querida Maria,


Gostaria de convidá-la para o 4º e último recital do Ciclo Completo das Sonatas para Piano de Mozart que estarei realizando nesta quarta-feira dia 02 de dezembro às 20:00h no Teatro Álvaro de Carvalho (TAC).

As sonatas deste recital são conhecidas como as “sonatas de Viena”, todas escritas nessa cidade onde Mozart passou seus últimos anos de vida. Trata-se das sonatas nº14 em dó menor (precedida pela belíssima Fantasia em dó menor), a nº15 em fá maior (obra bastante contrapontística e com influências bachianas), a nº16 em dó maior (uma de suas sonatas mais conhecidas, escrita com grande simplicidade por razões didáticos), a nº17 em si bemol maior e a nº18 em ré maior.

Como das vezes anteriores, os ingressos custam R$20,00 e R$10,00 e podem ser adquiridos diretamente na bilheteria do teatro.

 
Espero poder contar com sua presença!

Um grande abraço,

Alberto Andrés Heller

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

CONVITE



Dia: 12 de Dezembro - sábado
Horário: 18H00
Local: Café Cultura
Endereço: Praça XV de Novembro - Centro - Florianópolis-SC


clarissa alcântara – clóvis domingo
 matheus silva – nicolas corres


Quatro performers instauram individualmente o processo de invenção de suas histórias pessoais, subtraindo sua experiência única da multiplicidade a ser constituída.

Convite aberto a todos.

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terça-feira, 24 de novembro de 2009

Quando a aposentadoria chegar eu serei ....



Passamos grande parte da vida profissional acreditando que, quando a aposentadoria chegar, finalmente seremos livres e felizes. Mas, nem sempre a aposentadoria é sinônimo de felicidade. Na verdade, pelas histórias que me contam, acredito que para poucas pessoas a vida de aposentado é uma vida feliz ou prazerosa.




Rubem Alves conta uma historinha bastante interessante sobre essa ilusão que carregamos pela vida adulta:

Desde muitos séculos, São Jorge fora um habitante da Lua. Romântica quando vista da Terra, a Lua era a arena de uma batalha diária entre o Santo Guerreiro e o Dragão da Maldade. Todas as manhãs, ao acordar, São Jorge sabia: havia uma missão que só ele podia cumprir.



Era esse sentimento quase religioso de missão e de dever que dava sentido à sua vida. Bem que ele poderia ter matado o Dragão séculos antes. Mas ele sabia que se matasse o Dragão sua vida se transformaria num tédio sem fim: nada para fazer, nenhuma missão a cumprir. Sua máxima espiritual era “Pugno, ergo sum”: luto, logo existo. São as batalhas que dão sentido à vida.




Aconteceu, entretanto, algo de que ninguém suspeitava. O Dragão era, na verdade, uma linda donzela que uma bruxa invejosa havia enfeitiçado e mandado para a Lua. Mas como todo feitiço tem um prazo de validade, chegou também o dia em que a validade do feitiço chegou ao fim e se desfez: o horrendo Dragão foi transformado numa linda donzela.




São Jorge, que tudo ignorava, acordou na manhã daquele dia como acordava todos os dias, determinado a cumprir o seu destino que era dar combate ao Dragão. Com lança, armadura e espada saiu o guerreiro em seu cavalo. Mas qual não foi o seu susto quando, em vez de um Dragão, o que o esperava era um ser que lhe era totalmente estranho: uma linda donzela.




E a donzela com suas vestes entreabertas o recebeu com palavras de amor e prazer: “Venha, Jorginho, provar do meu carinho e do mel dos meus beijos...”




São Jorge ficou paralisado de susto e medo. Não sabia o que fazer. Essa entidade estranha não estava registrada em sua memória. Não lhe fora ensinada na escola. Fora educado a vida inteira para a batalha. Era a batalha que dava sentido à sua vida. E agora ele se defrontava com a possibilidade de simplesmente gozar sem nada fazer...




São Jorge nem desceu do seu cavalo. Voltou para onde viera triste e deprimido, com saudades dos tempos do Dragão. O Dragão dava sentido à sua vida. Ele definia a sua identidade: ele era um guerreiro... Agora, perdida sua identidade, perdeu-se também o sentido de sua vida.




Não lhe fora ensinada na escola a arte do prazer, de não ter deveres a cumprir. Sua vida tornou-se então, um grande vazio. Quanto à linda donzela, apesar de linda, não foi apreciada. São Jorge olhava-a com aquela sensação saudosista dos tempos do Dragão.

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segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Gravidez



Onde foi parar o bom senso?



Mulheres grávidas com depressão não deveriam tomar antidepressivos. Esse tipo de medicação pode prejudicar a formação do bebê.

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segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Meus hábitos me produzem




Não se arrancam assim, de um dia para o outro, as pessoas de seus hábitos mentais.

Jacques Lacan


quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Discurso Facista, Ação Facista



A partir da entrevista do representante da Uniban, sobre o recuo da Universidade na punição da aluna responsável pelo tumulto, começo a compreender a lógica daquela violência.


O autoritarismo do discurso, a empáfia para falar da mudança de perspectiva, a falta de humildade para reconhecer os erros marcaram o tom do discurso do diretor (professor ?).

Mergulhados nesse tipo de discurso - autoritário e arrogante -, os alunos que encabeçaram a violência contra a colega, sabiam, mesmo sem ter consciência, que estavam respaldados pela ideologia que impera naquele ambiente.

Soube, pela mídia, que a Universidade vai promover palestras com os alunos para discutir os atos de violência e confronto. Torço para que o grupo de professores, responsável pela transmissão da ideologia dominante na instituição, tome consciência dos efeitos de seu discurso na vida dos jovens alunos.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Poetas




Uma ocasião,
meu pai pintou a casa toda
de alaranjado brilhante.

Por muito tempo moramos numa casa,
como ele mesmo dizia,
constantemente amanhecendo.

Adélia Prado

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Renúncia Feminina


A renúncia feminina consiste em se satisfazer por procuração, nas realizações, nos sucessos ou nos valores de um homem.

Este modo de satisfação não pode ser interpretado como sacrifício, muito pelo contrário. A renúncia feminina repousa sobre uma identificação narcisista com o objeto amado.

Identificada com a imagem de sucesso do homem que ama, a mulher se satisfaz em ser a esposa de ....
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quarta-feira, 4 de novembro de 2009

De onde


Recolhi esse texto no blog de Saramago. Nele o escritor português desenvolve um belo perfil de um homem – ou porque não, de uma mulher - de vida pública. O perfil ético e político do indivíduo público, descrito por Saramago, tendo por base a figura de Barack Obama, é um parâmetro universal que deve ser lembrado todas as vezes que vamos às urnas.
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Donde?

Donde saiu este homem? Não peço que me digam onde nasceu, quem foram os seus pais, que estudos fez, que projecto de vida desenhou para si e para a sua família. Tudo isso mais ou menos o sabemos, tenho aí a sua autobiografia, livro sério e sincero, além de inteligentemente escrito. Quando pergunto donde saiu Barack Obama estou a manifestar a minha perplexidade por este tempo que vivemos, cínico, desesperançado, sombrio, terrível em mil dos seus aspectos, ter gerado uma pessoa (é um homem, podia ser uma mulher) que levanta a voz para falar de valores, de responsabilidade pessoal e colectiva, de respeito pelo trabalho, também pela memória daqueles que nos antecederam na vida. Estes conceitos que alguma vez foram o cimento da melhor convivência humana sofreram por muito tempo o desprezo dos poderosos, esses mesmos que, a partir de hoje (tenham-no por certo), vão vestir à pressa o novo figurino e clamar em todos os tons: “Eu também, eu também.” Barack Obama, no seu discurso, deu-nos razões (as razões) para que não nos deixemos enganar. O mundo pode ser melhor do que isto a que parecemos ter sido condenados. No fundo, o que Obama nos veio dizer é que outro mundo é possível. Muitos de nós já o vinhamos dizendo há muito. Talvez a ocasião seja boa para que tentemos pôr-nos de acordo sobre o modo e a maneira. Para começar.