quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Narcisismo dos Pais



Longe da árvore

Li o novo livro de Andrew Solomon quando foi publicado nos EUA, no fim de 2012. Para explicar por que ele é, para mim, um dos ensaios mais importantes das últimas décadas, preferi esperar a tradução em português, "Longe da Árvore - Pais, Filhos e a Busca da Identidade" (Companhia das Letras).
O título se refere ao ditado segundo o qual os frutos nunca caem longe da árvore que os produziu --ou seja, "tais pais, tais filhos". Só que, às vezes, nossos filhos nos parecem diferentes de nós: frutos caídos longe da árvore. De qualquer forma, a árvore quase sempre acha que seus frutos caíram mais longe do que ela gostaria. E, na nossa cultura, amar os filhos que são diferentes de nós não é nada óbvio.

A obra de Solomon é um extraordinário elogio da diversidade e da possibilidade de amar e respeitar a diferença, mesmo e sobretudo nos nossos filhos. Por acaso, li o livro de Solomon logo depois das tocantes e bonitas memórias de Diogo Mainardi ("A Queda", Record) sobre o amor por seu primogênito, Tito, diferente por ser portador de paralisia cerebral.

A leitura de "Longe da Árvore" ajudará qualquer pai a não transformar suas expectativas em condições de seu amor. Isso bastaria para que a obra de Solomon fosse imprescindível --para pais e para filhos. Mas há mais.
Retomo uma distinção que Solomon usa. Chamemos de identidades verticais as que são impostas ou transmitidas de geração em geração: elas são consequência da família, da tribo, da nação na qual nascemos e também das expectativas dos pais (quando elas moldarem os filhos). Chamemos de identidades horizontais as que inventamos ou às quais aderimos junto com nossos pares e coetâneos: elas são tentativas de definir quem somos por nossa conta, sem nada dever à árvore da qual caímos.

O paradoxo é o seguinte: a ideia crucial da modernidade é que as identidades verticais não constituem mais nosso destino (por exemplo, o fato de nascer nobre ou camponês não decide o lugar que o indivíduo ocupará na sociedade).
Os filhos, portanto, conhecem uma liberdade sem precedentes (viajam, mudam de país, de status, de profissão etc.), atrás do sonho moderno de "se realizarem" --e não do sonho antigo de repetirem seus antepassados. Mas acontece que esse sonho de "se realizarem" é também o dos pais, os quais, como qualquer um, só "aconteceram" pela metade (quando muito).

Consequência e conflito: os filhos deveriam correr livres atrás de seus próprios sonhos, enquanto os pais esperam e pedem que os filhos vivam para contrabalançar as frustrações da vida de seus genitores.

Será que um dia seremos capazes de um amor não narcisista pelos nossos filhos? Será que seremos capazes de querer produzir vidas por uma razão diferente da de reproduzir a nós mesmos?

Se isso acontecer um dia, será possível dizer que "Longe da Árvore" foi o primeiro indicador de uma mudança que transformou nossa cultura para sempre.
Alguns poderiam se assustar diante do tamanho da obra de Solomon, que é monumental (mais de 800 páginas). Reassegurem-se: a leitura é fascinante.
O livro é construído assim: há uma introdução, "Filho", imperdível, e uma conclusão, "Pai" (de filho para pai é o caminho que o próprio Solomon percorreu na sua vida).

No meio, há dez capítulos (que não precisam ser lidos na ordem) sobre as "diferenças" de filhos que caíram longe da árvore e como os pais lidaram com elas (surdos, anões, síndrome de Down, autismo, esquizofrenia, deficiência, [crianças-]prodígios, [filhos de] estupro, crime, transgêneros). A essa lista é necessário acrescentar gay e disléxico, que são os traços que fizeram de Solomon um diferente.

Das centenas de entrevistas nas quais ele se baseia, Solomon sai com um certo otimismo sobre a possibilidade de os pais aprenderem a amar filhos diferentes deles.

Entendo seu otimismo assim: as diferenças extremas (como as que ele contempla) derrotam o narcisismo dos pais de antemão (esses filhos nunca serão uma continuação trivial de vocês) e portanto levam à possibilidade de amar os filhos como entes separados de nós.

No dia a dia corriqueiro da relação pai-filho, o narcisismo dos pais e dos adultos produz uma falsa e incurável infantolatria: parecemos adorar as crianças, mas mal as enxergamos --apenas amamos nelas a esperança de que elas realizem nossos entediantes sonhos frustrados.

Contardo Calligaris
Jornal: Folha de SP


Ainda não comprei o livro do Adrew Solomon, mas essa é uma das várias críticas positivas que li sobre o texto. Por isso, estou postando. O segundo livro que o Calligaris recomenda, o Diogo Mainardi, eu já li e sempre recomendo.  





terça-feira, 22 de outubro de 2013

Curso de Formação em Coaching - Florianópolis





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sábado, 19 de outubro de 2013

A leitura e seus efeitos


Qual romance você está lendo?

Sempre pensei que fosse sábio desconfiar de quem não lê literatura. Ler ou não ler romances é para mim um critério. Quer saber se tal político merece seu voto? Verifique se ele lê literatura. Quer escolher um psicanalista ou um psicoterapeuta? Mesma sugestão.
E, cuidado, o hábito de ler, em geral, pode ser melhor do que o de não ler, mas não me basta: o critério que vale para mim é ler especificamente literatura –ficção literária.
Você dirá que estou apenas exigindo dos outros que eles sejam parecidos comigo. E eu teria que concordar, salvo que acabo de aprender que minha confiança nos leitores de ficção literária é justificada.
Algo que eu acreditava intuitivamente foi confirmado em pesquisa que acaba de ser publicada pela revista “Science” (migre.me/gkK9J), “Reading Literary Fiction Improves Theory of Mind” (ler ficção literária melhora a teoria da mente), de David C. Kidd e Emanuele Castano.

Uma explicação. Na expressão “teoria da mente”, “teoria” significa “visão” (esse é o sentido originário da palavra). Em psicologia, a “teoria da mente” é nossa capacidade de enxergar os outros e de lhes atribuir de maneira correta crenças, ideias, intenções, afetos e sentimentos.

A teoria da mente emocional é a capacidade de reconhecer o que os outros sentem e, portanto, de experimentar empatia e compaixão por eles; a teoria da mente cognitiva é a capacidade de reconhecer o que os outros pensam e sabem e, portanto, de dialogar e de negociar soluções racionais. Obviamente, enxergar o que os outros sentem e pensam é uma condição para ter uma vida social ativa e interessante.

Existem vários testes para medir nossa “teoria da mente” –os mais conhecidos são o RMET ou o DANVA, testes de interpretação da mente do outro pelo seu olhar ou pela sua expressão facial. Em geral, esses testes são usados no diagnóstico de transtornos que vão desde o isolamento autista até a inquietante indiferença ao destino dos outros da qual dão prova psicopatas e sociopatas.

Kidd e Castano aplicaram esses testes em diferentes grupos, criados a partir de uma amostra homogênea: 1) um grupo que acabava de ler trechos de ficção literária, 2) um grupo que acabava de ler trechos de não ficção, 3) um grupo que acabava de ler trechos de ficção popular, 4) um grupo que não lera nada.

Conclusão: os leitores de ficção literária enxergam melhor a complexidade do outro e, com isso, podem aumentar sua empatia e seu respeito pela diferença de seus semelhantes. Com um pouco de otimismo, seria possível apostar que ler literatura seja um jeito de se precaver contra sociopatia e psicopatia. Mais duas observações.

1) A pesquisa mede o efeito imediato da leitura de trechos literários. Não sabemos se existem efeitos cumulativos da leitura passada (hoje não tenho tempo, mas “já li muito na adolescência”): o que importa não é se você leu, mas se está lendo.

2) A pesquisa constata que a ficção popular não tem o mesmo efeito da literária. A diferença é explicada assim: a leitura de ficção literária nos mobiliza para entender a experiência das personagens.

“Como na vida real, os mundos da ficção literária são povoados por indivíduos complexos cujas vidas interiores devem ser investigadas, pois são raramente de fácil acesso.”

“Contrariamente à ficção literária, a ficção popular (…) tende a retratar o mundo e as personagens como internamente consistentes e previsíveis. Ela pode confirmar as expectativas do leitor em vez de promover o trabalho de sua teoria da mente.”

Em suma, o texto literário é aquele que pede esforços de interpretação por aquelas caraterísticas que foram notadas pelos melhores leitores do século 20: por ser ambíguo (William Empson), aberto (Umberto Eco) e repleto de significações secundárias (Roland Barthes).

Na hora de fechar esta coluna, na terça-feira, encontro a mesma pesquisa comentada na seleção do “New York Times” oferecida semanalmente pela Folha. A jornalista do “Times” pensou que a leitura literária, ajudando-nos a enxergar e entender os outros, facilitaria nossas entrevistas de emprego ou nossos encontros românticos.

Quanto a mim, imaginei que, na próxima vez em que eu for chamado a sabatinar um candidato, não esquecerei de perguntar: qual é o romance que você está lendo? E espero que o candidato mencione um livro que conheço, para verificar se está falando a verdade.

Contardo Calligaris
Jornal Folha de São Paulo
  

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Fragmentos de Clarice



Erros do Passado

Para quem – por desespero ou por gosto – vive aludindo aos erros do passado, eis uma frasezinha de um homem chamado Fénelon: “Pode-se corrigir o passado, com o futuro.”

Talvez seja, aliás, o único modo de corrigir o passado. Pois uma verdade óbvia é esta: enquanto você lamenta o passado, o presente lhe foge das mãos.

E não há tanto do que se recriminar e lamentar: não há outro modo de viver senão o de errar e corrigir-se, e depois errar de novo e corrigir-se de novo. O que não chega a ser trágico: trata-se do jogo da vida, e todos nós jogamos o mesmo jogo.

Agora, o que é mesmo uma pena é uma pessoa sentar-se num canto da sala (figurativamente), e lamentar, lamentar, lamentar. Quem está no jogo tem que aceitar as regras do jogo.

Você há de dizer: “Eu não pedi para entrar no jogo, não pedi para nascer.” Pois esse argumento é uma mistura de neurastenia, vontade de despistar, má vontade e chicana.

Tenha cuidado com uma coisa: quando lamentar-se começa a ser um consolo, é tempo de prestar atenção.

Clarice Lispector - Correio Feminino
  

domingo, 13 de outubro de 2013

Enfrentando Preconceitos



Daniela Mercury reage a preconceito:


'em casal de mulheres ninguém entra'


A cantora Daniela Mercury, 48, trabalha em um novo álbum, "mais autoral", e em um livro, a ser lançado em novembro com sua esposa, Malu Verçosa.
"É uma biografia amorosa-jornalística do nosso relacionamento, o que aconteceu e o impacto que isso teve", diz Daniela, a respeito da revelação, feita no início do ano pelo Instagram, de seu relacionamento homossexual.
As duas se casam no civil neste sábado e, como uma "atitude política", vão passar a usar os sobrenomes uma da outra. "Já trocamos alianças, mas a sociedade precisa de clichês", diz a cantora.
Nessa entrevista Daniela conta que ainda ouve risadinhas de homens. "Tenho a sensação de que fere muito a masculinidade de alguns homens o fato de duas mulheres estarem juntas", diz.
Mas pede à reportagem: "Quando for escrever, (ressalte que) o meu intuito não é bater nos homens. Falo da minha vivência particular. Não diferencio as pessoas pelo sexo, mas essa divisão e a atribuição de poder ainda existe na sociedade. O machismo é uma doença social que a gente precisa erradicar, com posicionamento, clareza, e não se deixar diminuir".

BBC - Quais os principais desafios que enfrenta como mulher? Como a maioria, concilia diversos papéis?
Daniela Mercury - A mulher acrescentou papéis na sua vida, por sua necessidade de se expressar, de produzir, de existir como profissional e ter sua independência financeira. Quando querem ter filhos, em geral ela faz muito mais coisas do que o homem - costuma fazer toda a gestão da casa, das crianças, ainda que, em casais héteros, o marido ajude cada vez mais.
Acho que os casais de mulheres dividem mais as atribuições dentro e fora de casa, é mais igual. Agora, com Malu, ela já assumiu metade dos assuntos - ela já pega, paga, resolve. Ela assume a responsabilidade, coisa que em geral o homem não faz. Eu que já fui casada com homem e com mulher (posso dizer).
Você me pergunta do papel da mulher hoje. A mulher está sujeita a abusos muito mais constantemente do que homens. E são subliminares. Como uma mulher sozinha é vista na sociedade brasileira? Para a maioria, ela teria de ter um homem ao lado dela para ser respeitável.
Muita gente vai dizer que isso não existe mais, mas existe. Muitas mulheres não querem casar, querem uma vida sexual mais livre, são donas do próprio nariz e bem-sucedidas profissionalmente. Não encontraram um parceiro para conviver e são olhadas como "tadinhas".
Passei uma época da minha vida solteira e convivendo com casais amigos. Depois de uns três anos, quando estava com um novo namorado, ouvi de três ou quatro amigas: "Que bom, você agora tem namorado". Fiquei assustadíssima. Respondi "mas eu estava ótima!".
Por que essa ideia de que eu precisava de alguém, e (sobretudo) de um homem? É muito forte isso - e vem das mulheres, que exigem umas das outras que estejam com homens para serem protegidas, respeitadas.

Você foi elogiada por ter sido franca quanto a seu relacionamento com a Malu. Mas sente esse "abuso subliminar"?
Pela nossa naturalidade, por sermos mulheres inteligentes, fortes, bonitas, femininas e decididas, a gente não deixa muita brecha. Se alguém ameaçar olhar torto, a gente já reage, sutilmente ou menos sutilmente. Mas são perceptíveis olhares, eventualmente uma conversinha ou outra, uma risadinha de mesas de homens (em um restaurante).
Às vezes tenho a sensação de que fere muito a masculinidade de alguns homens o fato de duas mulheres estarem juntas. Acham que vão transar com as duas, ter as duas sexualmente. Não percebem que, em um casal de mulheres, ninguém entra. Nem homem, nem outra mulher, vai entrar em um casal que se predispõe a viver junto com fidelidade, compromisso.
Não que (o laço) seja mais ou menos forte do que um casal heterossexual, mas é no mínimo equivalente. Ainda que não seja considerado assim.

Os rótulos de comportamentos sexuais - sejam de homossexualidade ou de promiscuidade - te incomodam?
Quando vemos dois homens ou duas mulheres juntas, qual o problema? A preocupação (tem de ser) se aquela pessoa é legal, correta, positiva, vai fazer bem para o outro. Mas a questão acaba sendo toda o tabu sexual.
(Os rótulos) são insuportáveis. Acho inadmissível piadinha com gay, tão comuns no sexo masculino. São brincadeirinhas nocivas, desagradáveis, preconceituosas ao extremo.
E sobre o fato de as mulheres estarem sempre (retratadas) como as promíscuas, sedutoras, isso é o nosso carimbo bíblico desde Eva. Está no inconsciente da sociedade. É um mito completo. Vejo muitas mulheres que seduzem porque estão submetidas ao homem. Elas continuam mostrando muito seu corpo, vendendo sua imagem sem pensar a respeito disso.
Odeio quando vou aos EUA ou à Europa e escuto "vou para o Brasil arrumar uma mulher para transar". Não é à toa que o turismo sexual e a pedofilia são problemas tão sérios. Não é à toa que em países latinos tenhamos pais machistas, ou o mito da virgindade como símbolo de pureza.
E as mulheres acabam alimentando isso, o que é irritante. As brasileiras ainda precisam cuidar de si mesmas. Não quero ser dona da verdade, mas a sensação é de que a gente tem que se valorizar muito mais.
Todos temos momentos de fragilidade, homens ou mulheres. Mas as mulheres às vezes se põem nessa situação de vítima, de querer se protegida. Se a gente quer (igualdade), então também temos que assumir a responsabilidade de sermos o que quisermos.

Na sua área, muito se idolatra a mulher gostosa, sarada.
É verdade. E se pressupõe que essas mulheres não sejam muito inteligentes. Porque as mulheres inteligentes ainda irritam muita gente.
E eu hoje em dia me irrito com as mulheres não muito inteligentes, ou que se fazem de bobas, porque acham que esse é o caminho mais fácil. É mais fácil, mas muito perigoso.
O brasileiro já não é um povo que se posicione muito. A gente fala pouco claramente, porque acha que falar a verdade incomoda demais. Daí vai ficando uma sociedade na névoa, em que tudo acontece mas ninguém deixa claro o que acontece.
Acho que o que eu e Malu fizemos não foi nada de extraordinário, a gente só foi transparente, clara, falou a verdade. Mas isso teve um impacto muito grande porque a sociedade prefere fingir que não existe aquilo.

E você se sente mais feliz ao ter falado a verdade?
De ter comunicado minha relação? Sem dúvida alguma. Não tinha como ser de outra forma - viver em uma relação, construir uma família e camuflar isso não é do meu perfil.
Ninguém é contra o amor. Por isso a gente está recebendo tanto apoio.

Vê traços de machismo em seus ambientes profissional e pessoal?
A arte é uma área diferente, de pessoas sensíveis, abertas, (mas) os homens são os mesmos e as mulheres são as mesmas - filhos das mesmas famílias provincianas.
Acho que há, sim, machismo. Quando você vê um homem cantando, já presume que ele seja compositor, músico, pense por si mesmo e tenha o conceito do próprio trabalho. Mas (no caso da) mulher você pensa no máximo "ela é uma ótima intérprete", e não uma criadora. Em geral acham que a mulher é comandada por alguém.
Sou produtora, diretora, concebo meu trabalho desde o começo, sou compositora de muitas das minhas obras. Uma vez cheguei na gravadora BMG e fui conversar com um diretor artístico. Falei para ele que estava preparando um disco mais íntimo, com canções de amor, mais existenciais. Ele respondeu: "Para mim mulher não tem que pensar conceito".
Eu levantei e saí, e só não rasguei meu contrato porque não era empregada dele, era parceira da gravadora.
Se eu não tivesse personalidade forte e não viesse de uma educação de mulheres fortes - minha mãe e minha avó, mulheres que se posicionaram diante do mundo -, eu ia ser engolida. Teria desistido de fazer várias coisas.
Meu pai, apesar de católico e conservador em muitas coisas, sempre me deu muita força e me respeitou muito. Nunca havia moral boba em casa, sempre se acreditou que como seres humanos todos (os cinco filhos) deveríamos ser respeitados. Então não me deixo desrespeitar fora de casa.
Estou fazendo meu primeiro trabalho completamente autoral, para que as pessoas possam perceber como eu penso, enxergar a Daniela autora. Muitos dizem "não sabia que você compunha", e eu sou autora de grandes sucessos meus, como "O Canto da Cidade".
Tenho sempre que reiterar minha autonomia. É cansativo, mas se não for assim, fica mais difícil ainda.
Fonte: site BBC-Brasil


 


sábado, 12 de outubro de 2013

Mulheres, Família e Profissão




Tentar ser supermulher está fora de moda

Ana Paula Chagas, 50, é headhunter há mais de duas décadas e sócia de uma empresa de recrutamento, além de uma das criadoras no Brasil do Women Corporate Directors, fórum cuja missão principal é ampliar a presença de mulheres no topo do comando das empresas.

Mulheres Executivas

BBC - A procura por mulheres executivas tem crescido no Brasil?
Ana Paula Chagas - Com certeza. Isso começou um pouco seguindo empresas americanas, que diziam que era preciso ter diversidade e criaram programas para contratar pessoas de (diferentes) sexos, raças. Mas elas concluíram que as empresas que têm mais diversidade dão mais lucro.
(Mas) hoje nem um 1% das presidentes das 500 maiores empresas são mulheres. É algo que leva tempo, uma geração ou duas, mas está mudando. Em gerência média já vejo muitas mulheres, e elas são maioria em algumas áreas, como RH e marketing.
É claro que a mulher tem um monte de outras responsabilidades - ela tem a maternidade, depois cuida dois pais. Tudo tem um preço.
Algumas mulheres não querem fazer isso (chegar ao topo do comando da empresa). Há mulheres que olham para mim e para minhas colegas e dizem, 'não sei se quero essa vida', de acordar 5h da manhã, trabalhar 12 horas por dia.
Ao mesmo tempo, essa mulher atual consegue conciliar tudo porque o marido divide as responsabilidades. Antigamente, quando eu entrevistava um executivo, ele não falava da família. Hoje entrevistei um, de 30 e poucos anos, e a primeira coisa de que ele falou foi da mulher, dos filhos. Ele lava a louça, ajuda.

Divisão de Tarefas

Gerou polêmica recentemente nos EUA caso da CEO do Yahoo!, Marissa Mayer, que tirou apenas algumas semanas de licença-maternidade e voltou ao trabalho. Por onde caminha esse debate?
O debate caminha pelo marido ajudar a dividir as tarefas - e não pela mulher desistir da carreira. O marido prefere a mulher que trabalha à dona de casa, porque precisa das duas rendas. Estou falando de 2% da população do Brasil - executivos, classe A e B. Porque, se falarmos da população inteira, a mulher é chefe de família, ela que segura o tranco, faz tudo - às vezes sem marido.
Em cargos competitivos, a mulher em licença-maternidade muitas vezes fica online, volta antes, vai a reuniões. A executiva às vezes fala 'eu não vou parar, não vou estragar minha carreira'. A do Yahoo! foi um pouco radical. Respeito também as mulheres que querem ter esse momento, amamentar e ficar em casa. Mas conheço muitas que voltam depois de um mês porque não podem largar seu trabalho e ficar cinco meses em casa. É uma decisão muito pessoal.
Tive filhos em empresas diferentes, para não atrapalhar a carreira. A mulher pode planejar a carreira e a hora de ter filhos - 'agora que eu entreguei um projeto é bom momento para parar'. No momento errado prejudica mesmo. Não dá para ter três filhos na mesma empresa e reclamar que não foi promovida.

Maternidade e Vida Profissional

É uma estratégia usada por várias executivas? Será que isso de certa forma não confirma que as empresas ainda veem esse lado materno da mulher como um fardo?
O fato é que uma executiva com carreira competitiva tem que planejar suas gestações sim. Filhos são maravilhosos, mas não da para ter dois ou três filhos em seguida, ficar mais de um ano fora da empresa e em poucos anos e ainda querer ser promovida. Portanto, quando possível, planejar a hora melhor de ter filhos é muito inteligente e um passo estratégico a favor das mulheres.
As empresas não veem a gravidez como um fardo, mas simplesmente promovem outra pessoa ou colocam outro no lugar.
(Ao mesmo tempo) as mulheres estão casando, estão tendo filhos, e estão tendo sucesso na carreira. Está dando, elas estão conseguindo.
Mas há muita ansiedade por tentar abraçar tanta coisa, não?
Aí talvez seja um pouco culpa da própria mulher, que tende a ser centralizadora. Ser a supermulher está fora de moda. Não dá para ser mulher perfeita, mãe perfeita, executiva perfeita. Buscar filho na escola, cuidar da casa, ser executiva, cuidar dos pais, e o marido só chegar à noite e encontra tudo arrumadinho - essa mulher está deixando de existir.
A que eu vejo mais hoje delega, terceiriza, e tem o maridão junto. Ele tem que ter orgulho da carreira dela. Mas se ele não apoia ou eles competem, aí não tem jeito.

As dificuldades de lidar com o Poder

Quais os principais debates em pauta na Women Corporate Directors?
O principal é: por que há poucas mulheres no topo das empresas?
Acho que algumas têm um perfil menos arrojado. Quando pergunto ao homem se ele está pronto para ser presidente ou sentar num conselho, ele fala 'sim, já estou indo'. Já a maioria das mulheres respondem 'ah, não sei, será que eu estou pronta, será que vou dar conta?'.
É um pouco da cultura em que fomos criadas. Algo que a mulher no Brasil tem de superar e dizer 'claro que estou pronta, senão não teria chegado onde cheguei'.
O maior desafio é a mulher entender que papel ela tem e quer ter; onde ela quer ser muito boa e onde aceita ser mais ou menos, sem culpa. Tirar isso de uma geração que foi criada para ser dona de casa é difícil.
Já a geração mais jovem acho que nem vai ter essa discussão. Cursei a Fundação Getúlio Vargas (em São Paulo) 20 anos atrás. Havia três mulheres na minha turma. Hoje, minha filha faz o mesmo curso de administração, e 60% da sala dela são mulheres. É uma mudança importante para as mulheres que vão entrar no mercado de trabalho.

As Futuras Gerações

Quais serão, então, os desafios da geração da sua filha?
Acho que os debates dela serão idênticos aos dos colegas homens da idade dela: se quer trabalhar em empresa ou ser empreendedora; se quer viajar o mundo; se quer casar e ter filhos ou não. O machismo não está nem na pauta.
A definição de sucesso está mudando para as mulheres do mundo corporativo?
O mundo corporativo está crise de qualidade de vida, mas isso vale tanto para mulheres como para homens. Todos querem trabalhar menos, ficar mais com a família, fazer mais ginástica. Isso é resultado de morar em cidades como São Paulo e da complexidade que virou cuidar da saúde, da família, dos pais, enfrentar o trânsito. Do presidente ao trainee da empresa, homens ou mulheres.

Novos Desafios

Quais os maiores desafios que enfrenta hoje como mulher?
O maior desafio é equilibrar todos os pratinhos - ser boa esposa; ter os filhos próximos apesar de ter pouco tempo, então buscar a qualidade desse tempo; não ter culpa, e sim orgulho de trabalhar fora; e cuidar dos pais, ir à manicure. Acabo fazendo ioga as 5h da manhã, o único horário que sobra.
Ter tido uma mãe que trabalhava influenciou muito. Ela sempre me dizia que eu tinha que ter a minha carreira. Ao mesmo tempo ela dizia que eu tinha que ser a Amélia perfeita. Mas de de jeito algum eu consegui; fiz muita terapia para aprender a lidar com isso. Tenho muito orgulho de trabalhar fora e não tive tempo de trocar fralda e dar papinha aos meus filhos (de 13 e 18 anos). Pergunto sobre isso para eles hoje e me dizem: 'mãe, nem lembro. Tenho orgulho de você'. Depois que passa, você vê que dá tudo certo.
E meu marido ajudou muito. Eu não teria a carreira que eu tenho se não fosse por ele.

Preconceito e Machismo

Vê traços de machismo e preconceito nos seus ambientes profissional e pessoal?
Sempre trabalhei em empresas (que valorizavam) a meritocracia, em que quem entrega resultado cresce. Nunca senti (machismo), pelo contrário - acho até que é uma oportunidade. Na minha carreira, (inicialmente) não havia muitas mulheres e as que estavam lá se destacavam. Hoje é diferente, já é meio a meio nas empresas.
Por que as mulheres ainda ganham menos em salário do que os homens?
Como recrutadora de pessoas no nível sênior, não vejo isso. Não existe isso de "se contratar mulher vou pagar menos do que para homens". No meu universo, que é um nicho, não tem isso. Talvez essas pesquisas salariais falem mais de chão de fábrica - é uma generalização.
Sem falar da área de consumo. Quem decide a compra do automóvel da família já é muito mais a mulher do que o homem. Ela decide a compra da maioria dos produtos da casa. Então (terá mais sucesso) uma empresa que tem mais mulheres que fazem produtos para essas mulheres. Já é chover no molhado - todas as empresas sabem disso.


Fonte: Site BBC - Brasil

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Modelos do Masculino


Seu parceiro é homem ou menino? Faça o teste!

 Por Mônica El Bayeh

 

Independente da idade e da aparência, muitas pessoas nunca atingem a maturidade. Passam a vida como meninos. Homens e mulheres passam pela mesma situação. A imaturidade não é privilégio de um sexo só. 
Alguns homens esquecem de crescer. Eles têm barba, pelos e músculos. Nos tiram o fôlego, mas internamente funcionam como adolescentes. Homens imaturos são perigosos como caminhão desgovernado. Fazem um estrago danado. Uma relação que quase sempre acaba em acidente, com seu nome na lista de feridos. Se quer saber se é o caso do seu, faça o teste e confira. E fuja se ainda der tempo! 

1 - Homens dirão que te amam porque realmente sentem assim. Meninos dirão que te amam para te comer mais rápido ou para você parar de falar.

2 - Homens não prometem muito. Na verdade, quase nada. Mas fazem. O que, no computo geral, dá a maior diferença. Meninos prometem muito. Gostam de causar. Percebem que te conquistam melhor dessa forma e abusam para se dar bem. Desfrutam das benesses que as promessas lhes trazem. Só não cumprem nenhuma delas. Uma espécie de discurso político. Não é para confiar, nem levar a sério. Voto dele na sua urna, um beijo e tchau.

3 - Homens te dão bem estar. Estão ao teu lado. Te fazem sentir mais bonita. Meninos te dão certa sensação de vazio. Uma aflição difusa. Você sente que algo não é bem assim como aparenta. Só não consegue diagnosticar exatamente o que é.

4 - Homens dizem que vêm e vêm mesmo! Dizem que farão e fazem. Dá até um certo alívio. Meninos marcam e não vêm. Vão ligar e não ligam. Te deixam esperando sem desculpa, nem satisfação. No máximo, quando você cobra, arrumam uma desculpa meia bomba e oca. Isso se você cobrar, senão nem isso.

5 - Homens sabem que, de qualquer forma, todos sempre são responsáveis pelo que acontece. Assumem e resolvem. Não adianta jogar para o outro só para ficar bem na fita. Meninos dirão que a culpa é sua. De que? De qualquer coisa. Não importa. É sua e pronto. Os acertos são deles, os erros são seus.

6 - Homens talvez peçam a sua foto pelada. Se bem que a maioria prefere você ao vivo e a cores. Entenderão sua entrega como confiança e guardarão sua foto em segredo. Meninos vão pedir sua foto pelada. Vão jurar que é só para eles. Prometer que vão apagar. Ficarão encantados quando conseguirem. Acharão um desperdício não mostrar para o mundo essa conquista. Afinal, é um troféu e tanto. Todos precisam saber como eles são uns fodões! É assim que você vai parar na web de bunda de fora. Entendeu?

7 - Homens ficarão ao seu lado nos seus momentos mais insuportáveis. Na sua pior TPM quando nem você mesma se aguenta e sua vontade é rosnar e roer pé de móvel. Homens sabem ser boa parceria. O que nessas horas faz toda a diferença. Meninos fugirão assustados quando você não estiver bem. Eles ficam sem ação, não sabem o que fazer. E também porque é chato ficar do lado de quem não vai lhes divertir. Meninos querem se divertir. Você mal é brinquedo quebrado, computador sem internet, joystick com defeito. Dirão que precisam ir, mas voltam depois... Ou não. Não crie expectativas, nem espere por muito tempo.

8- Homens sabem que relacionamento já dá um bocado de trabalho. O que é verdade. Investem em uma só para cuidar melhor. Meninos acham que mulher é igual carrinho de Hot Wheels : para colecionar!

9 – Fim de relacionamento. Homens terão receio de te comunicar o fato. Afinal é difícil, situação delicada. Envolve tristeza, luto. Mas o farão mesmo assim. Meninos não têm coragem de terminar a relação olhando na sua cara. Olho no olho não é para qualquer um. Em compensação são muito criativos nas várias formas de te comunicar que #partiu, #a fila andou, #já estou em outra. Pelo Twitter, por mensagem de celular ou mudando o status de relacionamento no Facebook. Você descobre no susto. Uns sem noção? Crianças são assim mesmo, sempre aprontando.

Tem os tipo ioiô. Criam um ciclo onde aparecem e somem ao qual você fica presa por um fio tênue de esperança. Nem somem de vez, nem ficam do seu lado. Te mantêm em stand by. Nunca se sabe quando você pode ser necessária. Você e os carrinhos de Hot Wheels? Peças da coleção, arrumados na prateleira. Esperando que ele lembre de você e volte para brincar.

Tem os menos criativos que simplesmente somem sem nenhuma satisfação nem resposta às suas ligações e mensagens. No geral, o recado é um só: você está sozinha de novo. Nem perdeu grande coisa. De verdade, antes só do que mal acompanhada, né não?

10 - Em comum, meninos e homens fazem qualquer negócio para não discutir a relação. Tudo menos DR. Respeite. Afinal, o negócio é chato mesmo. Muito falatório é característica nossa, coisa feminina. Homens agradecem se não precisarem conversar muito sobre afetos. Principalmente os afetos que estão com defeito. Não insista. Há formas mais inteligentes de contornar. Pense a respeito.

É comum também que as fases de homem e menino se alternem. Afinal somos todos cíclicos, instáveis e ambivalentes em menor ou maior grau. Temos nossas recaídas e regredimos em busca de conforto e amparo quando a coisa aperta. Corremos de volta ao passado, tempo bom em que alguém cuidava da gente e a vida era mais fácil. Costuma passar. Por via das dúvidas, no caso da foto com a bunda de fora... Melhor não mandar. Nunca se sabe em que fase eles podem estar.   
  

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Mulheres: Conquistas e Desafios



Mulher brasileira é vítima de seu próprio machismo, diz historiadora...

Mary Del Priore é historiadora, professora universitária e autora de obras como História das Mulheres no Brasil , vencedor dos prêmios Jabuti, Casa Grande e Senzala,  Histórias e Conversas de Mulher, em que acompanha avanços femininos desde o século 18.
Para a historiadora, as mulheres brasileiras do último século conquistaram o direito de votar, tomar anticoncepcionais, usar biquíni e a independência profissional. Mas ainda hoje são vítimas de seu próprio machismo.
Muitas mulheres "não conseguem se ver fora da órbita do homem" e são dependentes da aprovação e do desejo masculino, opina ela.

BBC-BRASIL - Você vê traços de machismo ou preconceito em seus ambientes profissional e pessoal?
Mary Del Priore - No ambiente profissional, não vivi nenhum problema, porque desde os anos 1980 o setor acadêmico sofreu grande "feminilização". As mulheres formam um bloco consistente nas disciplinas (universitárias) mais diversas.
Mas, na sociedade, acho que o machismo no Brasil se deve muito às mulheres. São elas as transmissoras dos piores preconceitos. Na vida pública, elas têm um comportamento liberal, competitivo e aparentemente tolerante. Mas em casa, na vida privada, muitas não gostam que o marido lave a louça; se o filho leva um fora da namorada, a culpa é da menina; e ela própria gosta de ser chamada de tudo o que é comestível, como gostosa e docinho, compra revistas femininas que prometem emagrecimento rápido e formas de conquistar todos os homens do quarteirão.
O que mais vemos, sobretudo nas classes menos educadas, é o machismo das nossas mulheres.

- Mas muitas até querem que os maridos ajudem em casa, mas será que essas coisas do dia a dia acabam virando motivos de brigas justamente por conta do machismo arraigado? E também há mulheres estudadas, ambiciosas e fortes - mas também vaidosas, que ao mesmo tempo querem se sentir desejadas por um parceiro(a) que as respeite. Isso é uma conquista delas, não?
Ambas as questões não podem ter respostas generalizantes. Mais e mais, há maridos interessados na gerência da vida privada e na educação dos filhos. Quantos homens não vemos empurrando carrinhos de bebê, fazendo cursos de preparação de parto junto com a futura mamãe ou no supermercado? Tudo depende do nível educacional de ambos os parceiros. Quanto mais informação e mais educação, mais transparente e igualitária é a relação.
Quanto às mulheres emancipadas, penso que preferem estar sós do que mal acompanhadas. Chega de querer "ter um homem só para chamar de seu". Elas estão mais seletivas e não desejam um parceiro que queira substituir a mãe por uma esposa.

- Como a mulher mudou – e o que permanece igual – no último século?
Temos uma grande ruptura nos anos 60 e 70 no Brasil, que reproduz as rupturas internacionais, com a chegada da pílula anticoncepcional. As mulheres começaram a ocupar postos nos diversos níveis da sociedade, a ganhar liberdade sexual e financeira. Ela passa atuar como propulsora de grandes mudanças. Quebra-se o paradigma entre a mulher da casa e a mulher da rua.
(Mas) a mulher continua se vendo através do olhar do homem. Ela quer ser essa isca apetitosa e acaba reproduzindo alguns comportamentos das suas avós. Basta olhar algumas revistas femininas hoje. Salvo algumas transformações, a impressão é de que a gente está lendo as revistas da época das nossas avós.
A mulher não consegue se ver fora da órbita do homem, diferentemente de algumas mulheres europeias, que são muito emancipadas. O que ela quer é continuar sendo uma presa desejada.
A (antropóloga) Mirian Goldenberg diz que a mulher brasileira continua correndo atrás do casamento como uma forma de realização pessoal. No topo da agenda dela não está se realizar profissionalmente, fazer o que gosta, viajar, conhecer o mundo – está encontrar um par e botar uma aliança no dedo. Mesmo que o casamento dure uma semana.

Quais as amarras das mulheres atuais?
 O machismo é uma das questões. Outra, que talvez explique a inatividade da mulher frente a esse padrão, é que, com a entrada num mercado de trabalho tão competitivo, com tantas crises econômicas e uma classe média achatada, a luta pela sobrevivência se impõe sobre qualquer outro projeto.
Essa falta de tempo para respirar, o fato de ter que bancar filhos ou netos, isso talvez não dê à mulher tempo para se conscientizar e se erguer acima do individualismo – outra tônica do nosso tempo – e pensar no coletivo.

- Ao mesmo tempo em que a mulher avança no mercado de trabalho, algumas também têm perdido a vergonha de parar de trabalhar para cuidar dos filhos; ou resgatado, como hobbies ou profissão, antigas "tarefas de mulher", como tricô, cozinha, artes manuais. Desse ponto de vista, existe um poder maior de escolha das mulheres?
- Sempre apostei que as mulheres não deveriam buscar ser "um homem de saias", mas apostar em sua diferença e singularidade. As marcas do gênero, segundo sociólogos, são a criatividade, a diplomacia, capacidade de dialogar, etc. O fato de que elas busquem se realizar resgatando o trabalho doméstico, manual ou artesanal é uma prova de que a singularidade feminina tem muito a oferecer.
A mulher pode, sim, realizar-se através do trabalho doméstico e não necessariamente no público. Desse ponto de vista elas só estariam dando continuidade a uma longa tradição, discreta e oculta, que é a independência adquirida por meio de atividades desenvolvidas no lar. Nossas avós, quando trabalhadoras domésticas, já conheceram essa situação. A tecnologia só nos ajuda a torná-lo mais eficiente.

- Que papel a educação teve na mulher que você é hoje?
Tive uma trajetória peculiar. Resolvi fazer universidade (aos 28 anos) quando já era mãe de três filhos. A maturidade me ajudou muito a progredir. Tive a sorte de ter na PUC-RJ e na USP um ambiente muito receptivo, porque era um momento em que a universidade estava largando aquela camisa de força marxista e se abrindo para estudos de cultura e sociedade, que me interessavam.

BBC Brasil - Quais os principais desafios que você enfrenta como mulher?
Del Priore - Hoje o grande desafio, em qualquer idade, é o equilíbrio interior, estar bem consigo mesma. Quando começamos a envelhecer – o que é o meu caso, aos 61 anos –, é preciso olhar isso com coragem, ver isso como um investimento positivo. E ter tempo para a família, para as pessoas em volta da gente.
Quando era mais jovem, eu me preocupava muito com grandes projetos. Hoje me preocupo com o pequeno – acho que é por aí que você muda a realidade. É no dia a dia, na maneira como você trata as pessoas à sua volta, no respeito que você tem pelo seu bairro. Não temos condições de abraçar o mundo. Através do micro, a gente consegue aos poucos transformar o macro.

Essa entrevista faz parte da série "100 Mulheres - Vozes de Meio Mundo". A série, publicada globalmente pela BBC, trata dos desafios da mulher contemporânea.



domingo, 6 de outubro de 2013

Dilemas éticos e educação




Gustavo Ioschpe: devo educar meus filhos para serem éticos?

Quando eu tinha uns 8 ou 9 anos, saía de casa para a escola numa manhã fria do inverno gaúcho. Chegando à portaria, meu pai interfonou, perguntando se eu estava levando um agasalho. Disse que sim. Ele me perguntou qual. “O moletom amarelo, da Zugos”, respondi. Era mentira. Não estava levando agasalho nenhum, mas estava com pressa, não queria me atrasar.
Voltei do colégio e fui ao armário procurar o tal moletom. Não estava lá, nem em nenhum lugar da casa. Gelei. À noite, meu pai chegou em casa de cara amarrada. Ao me ver, tirou da pasta de trabalho o moletom. E me disse: “Eu não me importo que tu não te agasalhes. Mas, nesta casa, nesta família, ninguém mente. Ponto. Tá claro?”. Sim, claríssimo. Esse foi apenas um episódio mais memorável de algo que foi o leitmotiv da minha formação familiar. Meu pai era um obcecado por retidão, palavra, ética, pontualidade, honestidade, código de conduta, escala de valores, menschkeit (firmeza de caráter, decência fundamental, em iídiche) e outros termos que eram repetitiva e exaustivamente martelados na minha cabeça. Deu certo. Quer dizer, não sei. No Brasil atual, eu me sinto deslocado.
Até hoje chego pontualmente aos meus compromissos, e na maioria das vezes fico esperando por interlocutores que se atrasam e nem se desculpam (quinze minutos parece constituir uma “margem de erro” tolerável). Até hoje acredito quando um prestador de serviço promete entregar o trabalho em uma data, apenas para ficar exasperado pelo seu atraso, “veja bem”, “imprevistos acontecem” etc. Fico revoltado sempre que pego um táxi em cidade que não conheço e o motorista tenta me roubar. Detesto os colegas de trabalho que fazem corpo mole, que arranjam um jeitinho de fazer menos que o devido. Tenho cada vez menos visitado escolas públicas, porque não suporto mais ver professores e diretores tratando alunos como estorvos que devem ser controlados. Isso sem falar nas quase úlceras que me surgem ao ler o noticiário e saber que entre os governantes viceja um grupo de imorais que roubam com criatividade e desfaçatez.
Sócrates, via Platão (A República, Livro IX), defende que o homem que pratica o mal é o mais infeliz e escravizado de todos, pois está em conflito interno, em desarmonia consigo mesmo, perenemente acossado e paralisado por medos, remorsos e apetites incontroláveis, tendo uma existência desprezível, para sempre amarrado a alguém (sua própria consciência!) onisciente que o condena. Com o devido respeito ao filósofo de Atenas, nesse caso acredito que ele foi excessivamente otimista. Hannah Arendt me parece ter chegado mais perto da compreensão da perversidade humana ao notar, nos ensaios reunidos no livro Responsabilidade e Julgamento, que esse desconforto interior do “pecador” pressupõe um diálogo interno, de cada pessoa com a sua consciência, que na verdade não ocorre com a frequência desejada por Sócrates. Escreve ela: “Tenho certeza de que os maiores males que conhecemos não se devem àquele que tem de confrontar-se consigo mesmo de novo, e cuja maldição é não poder esquecer. Os maiores malfeitores são aqueles que não se lembram porque nunca pensaram na questão”. E, para aqueles que cometem o mal em uma escala menor e o confrontam, Arendt relembra Kant, que sabia que “o desprezo por si próprio, ou melhor, o medo de ter de desprezar a si próprio, muitas vezes não funcionava, e a sua explicação era que o homem pode mentir para si mesmo”. Todo corrupto ou sonegador tem uma explicação, uma lógica para os seus atos, algo que justifique o porquê de uma determinada lei dever se aplicar a todos, sempre, mas não a ele(a), ou pelo menos não naquele momento em que está cometendo o seu delito.
Cai por terra, assim, um dos poucos consolos das pessoas honestas: “Ah, mas pelo menos eu durmo tranquilo”. Os escroques também! Se eles tivessem dramas de consciência, se travassem um diálogo verdadeiro consigo e seu travesseiro, ou não teriam optado por sua “carreira” ou já teriam se suicidado. Esse diálogo consigo mesmo é fruto do que Freud chamou de superego: seguimos um comportamento moral porque ele nos foi inculcado por nossos pais, e renegá-lo seria correr o risco da perda do amor paterno.
Na minha visão, só existem, assim, dois cenários em que é objetivamente melhor ser ético do que não. O primeiro é se você é uma pessoa religiosa e acredita que os pecados deste mundo serão punidos no próximo. Não é o meu caso. O segundo é se você vive em uma sociedade ética em que os desvios de comportamento são punidos pela coletividade, quer na forma de sanções penais, quer na forma do ostracismo social. O que não é o caso do Brasil. Não se sabe se De Gaulle disse ou não a frase, mas ela é verdadeira: o Brasil não é um país sério.
Assim é que, criando filhos brasileiros morando no Brasil, estou às voltas com um deprimente dilema. Acredito que o papel de um pai é preparar o seu filho para a vida. Essa é a nossa responsabilidade: dar a nossos filhos os instrumentos para que naveguem, com segurança e destreza, pelas dificuldades do mundo real. E acredito que a ética e a honestidade são valores axiomáticos, inquestionáveis. Eis aí o dilema: será que o melhor que poderia fazer para preparar meus filhos para viver no Brasil seria não aprisioná-los na cela da consciência, do diálogo consigo mesmos, da preocupação com a integridade? Tenho certeza de que nunca chegaria a ponto de incentivá-los a serem escroques, mas poderia, como pai, simplesmente ser mais omisso quanto a essas questões. Tolerar algumas mentiras, não me importar com atrasos, não insistir para que não colem na escola, não instruir para que devolvam o troco recebido a mais...
Tenho pensado bastante sobre isso ultimamente. Simplesmente o fato de pensar a respeito, e de viver em um país em que existe um dilema entre o ensino da ética e o bom exercício da paternidade, já é causa para tristeza. Em última análise, decidi dar a meus filhos a mesma educação que recebi de meu pai. Não porque ache que eles serão mais felizes assim - pelo contrário -, nem porque acredite que, no fim, o bem compensa. Mas sim porque, em primeiro lugar, não conseguiria conviver comigo mesmo, e com a memória de meu pai, se criasse meus filhos para serem pessoas do tipo que ele me ensinou a desprezar. E, segundo, tentando um esboço de resposta mais lógica, porque sociedades e culturas mudam. Muitos dos países hoje desenvolvidos e honestos eram antros de corrupção e sordidez 100 anos atrás. Um dia o Brasil há de seguir o mesmo caminho, e aí a retidão que espero inculcar em meus filhos (e meus filhos em seus filhos) há de ser uma vantagem, e não um fardo. Oxalá. 

Fonte: Site Revista Veja