Tentar ser supermulher está fora de moda
Ana Paula Chagas, 50,
é headhunter há
mais de duas décadas e sócia de uma empresa de recrutamento, além de uma das
criadoras no Brasil do Women Corporate Directors, fórum cuja missão principal é
ampliar a presença de mulheres no topo do comando das empresas.
Mulheres Executivas
BBC - A procura por
mulheres executivas tem crescido no Brasil?
Ana Paula Chagas - Com
certeza. Isso começou um pouco seguindo empresas americanas, que diziam que era
preciso ter diversidade e criaram programas para contratar pessoas de
(diferentes) sexos, raças. Mas elas concluíram que as empresas que têm mais
diversidade dão mais lucro.
(Mas) hoje nem um 1% das
presidentes das 500 maiores empresas são mulheres. É algo que leva tempo, uma
geração ou duas, mas está mudando. Em gerência média já vejo muitas mulheres, e
elas são maioria em algumas áreas, como RH e marketing.
É claro que a mulher tem
um monte de outras responsabilidades - ela tem a maternidade, depois cuida dois
pais. Tudo tem um preço.
Algumas mulheres não
querem fazer isso (chegar ao topo do comando da empresa). Há mulheres que olham
para mim e para minhas colegas e dizem, 'não sei se quero essa vida', de
acordar 5h da manhã, trabalhar 12 horas por dia.
Ao mesmo tempo, essa
mulher atual consegue conciliar tudo porque o marido divide as
responsabilidades. Antigamente, quando eu entrevistava um executivo, ele não
falava da família. Hoje entrevistei um, de 30 e poucos anos, e a primeira coisa
de que ele falou foi da mulher, dos filhos. Ele lava a louça, ajuda.
Divisão de Tarefas
Gerou polêmica
recentemente nos EUA caso da CEO do Yahoo!, Marissa Mayer, que tirou apenas
algumas semanas de licença-maternidade e voltou ao trabalho. Por onde caminha
esse debate?
O debate caminha pelo
marido ajudar a dividir as tarefas - e não pela mulher desistir da carreira. O
marido prefere a mulher que trabalha à dona de casa, porque precisa das duas
rendas. Estou falando de 2% da população do Brasil - executivos, classe A e B.
Porque, se falarmos da população inteira, a mulher é chefe de família, ela que
segura o tranco, faz tudo - às vezes sem marido.
Em cargos competitivos, a
mulher em licença-maternidade muitas vezes fica online, volta antes, vai a
reuniões. A executiva às vezes fala 'eu não vou parar, não vou estragar minha
carreira'. A do Yahoo! foi um pouco radical. Respeito também as mulheres que querem
ter esse momento, amamentar e ficar em casa. Mas conheço muitas que voltam
depois de um mês porque não podem largar seu trabalho e ficar cinco meses em
casa. É uma decisão muito pessoal.
Tive filhos em empresas
diferentes, para não atrapalhar a carreira. A mulher pode planejar a carreira e
a hora de ter filhos - 'agora que eu entreguei um projeto é bom momento para
parar'. No momento errado prejudica mesmo. Não dá para ter três filhos na mesma
empresa e reclamar que não foi promovida.
Maternidade e Vida Profissional
É uma estratégia usada por
várias executivas? Será que isso de certa forma não confirma que as empresas
ainda veem esse lado materno da mulher como um fardo?
O fato é que uma executiva
com carreira competitiva tem que planejar suas gestações sim. Filhos são
maravilhosos, mas não da para ter dois ou três filhos em seguida, ficar mais de
um ano fora da empresa e em poucos anos e ainda querer ser promovida. Portanto,
quando possível, planejar a hora melhor de ter filhos é muito inteligente e um
passo estratégico a favor das mulheres.
As empresas não veem a
gravidez como um fardo, mas simplesmente promovem outra pessoa ou colocam outro
no lugar.
(Ao mesmo tempo) as mulheres
estão casando, estão tendo filhos, e estão tendo sucesso na carreira. Está
dando, elas estão conseguindo.
Mas há muita ansiedade por
tentar abraçar tanta coisa, não?
Aí talvez seja um pouco
culpa da própria mulher, que tende a ser centralizadora. Ser a supermulher está
fora de moda. Não dá para ser mulher perfeita, mãe perfeita, executiva
perfeita. Buscar filho na escola, cuidar da casa, ser executiva, cuidar dos
pais, e o marido só chegar à noite e encontra tudo arrumadinho - essa mulher
está deixando de existir.
A que eu vejo mais hoje
delega, terceiriza, e tem o maridão junto. Ele tem que ter orgulho da carreira
dela. Mas se ele não apoia ou eles competem, aí não tem jeito.
As dificuldades de lidar com o Poder
Quais os principais
debates em pauta na Women Corporate Directors?
O principal é: por que há
poucas mulheres no topo das empresas?
Acho que algumas têm um
perfil menos arrojado. Quando pergunto ao homem se ele está pronto para ser
presidente ou sentar num conselho, ele fala 'sim, já estou indo'. Já a maioria
das mulheres respondem 'ah, não sei, será que eu estou pronta, será que vou dar
conta?'.
É um pouco da cultura em
que fomos criadas. Algo que a mulher no Brasil tem de superar e dizer 'claro
que estou pronta, senão não teria chegado onde cheguei'.
O maior desafio é a mulher
entender que papel ela tem e quer ter; onde ela quer ser muito boa e onde
aceita ser mais ou menos, sem culpa. Tirar isso de uma geração que foi criada
para ser dona de casa é difícil.
Já a geração mais jovem
acho que nem vai ter essa discussão. Cursei a Fundação Getúlio Vargas (em São
Paulo) 20 anos atrás. Havia três mulheres na minha turma. Hoje, minha filha faz
o mesmo curso de administração, e 60% da sala dela são mulheres. É uma mudança
importante para as mulheres que vão entrar no mercado de trabalho.
As Futuras Gerações
Quais serão, então, os
desafios da geração da sua filha?
Acho que os debates dela
serão idênticos aos dos colegas homens da idade dela: se quer trabalhar em
empresa ou ser empreendedora; se quer viajar o mundo; se quer casar e ter
filhos ou não. O machismo não está nem na pauta.
A definição de sucesso
está mudando para as mulheres do mundo corporativo?
O mundo corporativo está
crise de qualidade de vida, mas isso vale tanto para mulheres como para homens.
Todos querem trabalhar menos, ficar mais com a família, fazer mais ginástica.
Isso é resultado de morar em cidades como São Paulo e da complexidade que virou
cuidar da saúde, da família, dos pais, enfrentar o trânsito. Do presidente ao trainee da
empresa, homens ou mulheres.
Novos Desafios
Quais os maiores desafios
que enfrenta hoje como mulher?
O maior desafio é
equilibrar todos os pratinhos - ser boa esposa; ter os filhos próximos apesar
de ter pouco tempo, então buscar a qualidade desse tempo; não ter culpa, e sim
orgulho de trabalhar fora; e cuidar dos pais, ir à manicure. Acabo fazendo ioga
as 5h da manhã, o único horário que sobra.
Ter tido uma mãe que
trabalhava influenciou muito. Ela sempre me dizia que eu tinha que ter a minha
carreira. Ao mesmo tempo ela dizia que eu tinha que ser a Amélia perfeita. Mas
de de jeito algum eu consegui; fiz muita terapia para aprender a lidar com
isso. Tenho muito orgulho de trabalhar fora e não tive tempo de trocar fralda e
dar papinha aos meus filhos (de 13 e 18 anos). Pergunto sobre isso para eles
hoje e me dizem: 'mãe, nem lembro. Tenho orgulho de você'. Depois que passa,
você vê que dá tudo certo.
E meu marido ajudou muito.
Eu não teria a carreira que eu tenho se não fosse por ele.
Preconceito e Machismo
Vê traços de machismo e
preconceito nos seus ambientes profissional e pessoal?
Sempre trabalhei em
empresas (que valorizavam) a meritocracia, em que quem entrega resultado
cresce. Nunca senti (machismo), pelo contrário - acho até que é uma oportunidade.
Na minha carreira, (inicialmente) não havia muitas mulheres e as que estavam lá
se destacavam. Hoje é diferente, já é meio a meio nas empresas.
Por que as mulheres ainda
ganham menos em salário do que os homens?
Como recrutadora de
pessoas no nível sênior, não vejo isso. Não existe isso de "se contratar
mulher vou pagar menos do que para homens". No meu universo, que é um
nicho, não tem isso. Talvez essas pesquisas salariais falem mais de chão de
fábrica - é uma generalização.
Sem falar da área de
consumo. Quem decide a compra do automóvel da família já é muito mais a mulher
do que o homem. Ela decide a compra da maioria dos produtos da casa. Então
(terá mais sucesso) uma empresa que tem mais mulheres que fazem produtos para
essas mulheres. Já é chover no molhado - todas as empresas sabem disso.
Fonte: Site BBC - Brasil
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