sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Autismo: Ainda temos muito que aprender


Entenda como funciona a mente de um autista.

Fonte: Revista Super Interessante

Enquanto sua irmã gêmea se desenvolvia normalmente, o progresso da canadense Carly Fleischmann era lento. Logo foi descoberta a razão: aos dois anos de idade, ela foi diagnosticada com autismo severo. Hoje, Carly é uma adolescente que não consegue falar – mas encontrou outro meio de se comunicar. Aos 11 anos, ela foi até o computador, agitada, e fez algo que deixou toda a sua família perplexa: digitou as palavras DOR e AJUDA e saiu correndo para vomitar no banheiro.

Supostamente, Carly nunca tinha aprendido a escrever. Mas aquilo mostrou que acontecia muito mais em sua mente do que qualquer um poderia imaginar. E foi assim que começou uma nova etapa em sua vida: ela foi incentivada a se comunicar mais desta forma e a criar contas em redes sociais, como o Twitter e o Facebook. Também ajudou o pai a escrever um livro sobre a sua condição e deu as informações para a criação de um site que simula a sua experiência diária com toda a descarga sensorial que recebe em situações cotidianas, como ir a um café. “O autismo me trancou em um corpo que eu não posso controlar”, diz ela no site.

Depois que sua história foi para a mídia, Carly começou a receber muitos e-mails de pessoas perguntando sobre o autismo e criou um canal para esponde-las. “As pessoas têm muitas de suas informações vindas dos chamados especialistas, mas eu acho que esses especialistas não conseguem dar uma explicação a algumas questões”, escreveu.
Veja a resposta que ela deu em seu site e entenda melhor o comportamento dos autistas:

Pergunta: Meu filho de seis anos ​​fica triste e chora com frequência, e eu não consigo entender o porquê. Você tem alguma sugestão de como eu posso descobrir o que está errado?
Carly: Pode ser muitas coisas. Será que ele está tomando algum medicamento? Eu tive muitas mudanças extremas de humor, como chorar e sentir raiva sem motivo, por causa da medicação. Também poderia ser algo que aconteceu mais cedo ou dias atrás e que ele está processando apenas agora.

Alguma vez você gritou aparentemente sem motivo? Por exemplo, você parecia feliz e relaxada, mas de repente começou a gritar? Minha filha faz isso às vezes e eu estou tentando descobrir o porquê.
Eu amo esta pergunta. Ela está fazendo uma filtragem dos sons e quebrando os ruídos e conversas que tem ouvido ao longo do dia. [O cérebro dos autistas funciona de maneira diferente e se sobrecarrega com estímulos externos, como sons, luzes, imagens e cheiros. Gritar, tapar os ouvidos, fazer ruídos ou movimentos repetitivos, segundo Carly, são uma forma de bloquear esses estímulos e se concentrar em apenas um]. Além dos gritos, você pode nos ver chorando ou rindo, tendo convulsões e até manifestando raiva. É a nossa reação ao, finalmente, entender as coisas que foram ditas e feitas no último minuto, dia ou até mês passado. Sua filha está bem.

Será que você poderia me dizer por que meu filho de quatro anos de idade (que tem autismo) grita no carro cada vez que paramos em um semáforo. Ele está bem e feliz enquanto o carro se move, mas, uma vez que paramos, ele grita e faz uma birra incontrolável.
Eu amo longas viagens de carro, elas são uma ótima forma de estímulo sem você precisar fazer nada. O movimento do carro e o cenário visual passando por ele permite que você bloqueie qualquer outra entrada sensorial e se concentre em apenas uma. Meu conselho é colocar uma cadeira de massagem no banco do carro. Assim, quando ele parar, seu filho ainda estará sentindo o movimento. Você pode também colocar um DVD mostrando um cenário em movimento.

De onde você tira tanta informação sobre a cultura pop?
Eu escuto tudo que está acontecendo ao meu redor. Se houver uma TV e eu estou em outro quarto, ainda posso ouvi-la. Se pessoas estão falando, eu gosto de ouvir o que estão dizendo, mesmo se não estão falando comigo. Não é porque eu não pareço estar prestando atenção que esse seja o caso.

Em seus sonhos você é autista?
Sim e não. Em alguns dos meus sonhos eu posso falar e fazer coisas que as crianças da minha idade fazem. Mas em outros eu ainda tenho dificuldade em fazer as coisas que posso fazer quando estou acordada. Eu sonho com um monte de coisas, como meninos e alimentos. Eu nem sempre me lembro dos meus sonhos, mas gosto deles.

Você pode descrever como se sente por dentro? Você acha que é diferente de crianças que não têm autismo?
O problema é que eu não sei o que as outras crianças sem autismo estão sentindo. Eu tenho lutas comigo todos os dias, desde que acordo até a hora de ir dormir. Não posso nem ir ao banheiro sem dizer a mim mesma para não pegar o sabonete e cheirá-lo ou sem lutar comigo mesma para não esvaziar todos os frascos de xampu.

 Existem coisas que você considera mais desafiadoras, como abotoar sua roupa ou cortar a comida com uma faca? Por que você acha que não pode fazer esse tipo de coisa? O que acha que poderíamos fazer para ajudar?
Algumas coisas eu acho que posso fazer, mas é preciso muita concentração para isso. Ficar sentada e digitar é algo muito avassalador para mim – eu preciso fazer pausas e dizer a mim mesma para fazê-lo. Eu não acho que as pessoas realmente sabem como é difícil. Parece tão fácil para todo mundo, mas é como falar três línguas ao mesmo tempo.

Para ler outras perguntas e respostas, veja o site de Carly.

Texto de: Ana Carolina Prado



terça-feira, 26 de novembro de 2013

Medo do Tédio?




A favor do tédio


Alguns livros recentes tratam dos malefícios de nossa constante vontade de encontrar diversões. Como sugere o título de um deles, "The Distraction Addiction", de Alex Pang (Little, Brown and Company), a vontade de se distrair seria um vício, uma forma de dependência.

Também, desde o começo do ano, leio artigos de revista sobre "os surpreendentes benefícios do fato de sentir tédio".

Os livros não me pareceram imperdíveis. E os artigos nas revistas de grande circulação citam "pesquisas" por ouvir dizer. Mas tanto faz. O conjunto manifesta um novo clima, segundo o qual a necessidade de sermos entretidos e estimulados continuamente não tornaria nossa vida mais rica e variada - ao contrário, é possível que essa dispersão empobreça nossa experiência.

Já foi dito por evolucionistas que a sorte de nossa espécie foi sua fraqueza: enquanto passávamos horas a fio escondidos e calados nos arbustos, esperando as feras passarem, a imobilidade e o tédio forçados produziram o surgimento da consciência, do pensamento e da fantasia. Que tal aplicar essa hipótese no campo da educação?

O que é mais "educativo" para as crianças? A diversão? Ou a chance de se entediar?

Umberto Eco atribui ao filósofo Benedetto Croce uma frase que ele cita com frequência: "O primeiro dever dos jovens é o de se tornar velhos". Esse slogan não tem como ser muito popular numa época em que o primeiro dever dos velhos é o de eles parecerem jovens. De fato, nesta nossa época, os adultos não ajudam os jovens a envelhecer; eles preferem mantê-los na mesma criancice que eles desejam para si.

Há pais agentes de viagem e relações-públicas, que, a cada dia, organizam programas "divertidíssimos" para seus rebentos. Esses pais procuram amigos para brincadeiras coletivas e oferecem, a jato contínuo, coquetéis de televisão, cinema, compras, videogames e até livros: qualquer coisa para evitar que a criança conheça a solidão e o enfado. Sabe-se lá quais pensamentos surgiriam numa mente entediada, não é?

Certo, é preciso estimular as crianças para que elas se desenvolvam na interação com o mundo. Mas o problema é que, sem tédio maçante, ninguém, criança ou adulto, consegue inventar para si uma vida interior. E para que serve uma vida interior? Se forem pensamentos aos quais recorremos quando não temos nada para fazer, não é mais simples a gente se manter ocupado e não precisar da tal vida interior?

O problema é que há uma boa parte da vida exterior que, sem vida interior, é totalmente insossa. Tomemos o exemplo do erotismo.

Está aberta até dia 12 de janeiro, no Metropolitan de Nova York, a exposição "Balthus: Cats and Girls" (Balthus: gatos e meninas). O catálogo, com o mesmo título, contém uma excelente introdução da curadora, Sabine Rewald.
Balthus (1908-2001) pintava com frequência gatos e meninas, juntos ou separados. Os gatos são ótimos administradores de seu tédio. Eles sabem se divertir quando a ocasião se apresenta, mas também sabem não fazer nada. Nisso, eles batem os cachorros, que sempre parecem aliviados quando finalmente têm algo para fazer.

Agora, esse dom da gestão do tédio, os gatos têm em comum com as meninas que Balthus pinta, que são todas, antes de mais nada,
entediadas.

As longas sessões nas quais posavam para o pintor talvez servissem deliberadamente para produzir o tédio que Balthus queria pintar. Há as meninas quase vencidas pelo sono no meio da leitura, há as que jogam paciência no silêncio palpável da tarde numa casa de província francesa - todas parecem entregues a devaneios inquietantes.

A gente pode se indignar com a diferença de idade entre Balthus e suas modelos adolescentes, mas o fato é que os retratos das meninas são uma extraordinária ilustração de que o tédio e a indolência são as portas que levam aos pensamentos impuros.

Ou seja, é bem provável que a criança entediada tenha uma vida erótica adulta mais interessante do que a criança que cresceu de joguinho em joguinho, de amiguinho em amiguinho, de diversão em diversão.

O que me leva, aliás, a uma suspeita. Os pais que combatem o tédio dos filhos talvez estejam combatendo possíveis "pensamentos impuros" --videogames, filmes, amigos, tablets e futebol, tudo contra o espantalho da masturbação, que espreita a criança entediada e solitária.

Agora, sem pensamentos impuros na criança, o que será o erotismo do adulto no qual essa criança se tornará? Um erotismo sem vida interior, talvez.

 Contardo Calligaris
Jornal Folha de São Paulo


segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Educando Adultos



As mancadas de quem não se entende com crianças
Pessoas que têm jeito com criança agem de diversas formas. Umas são didáticas. Simplificam bastante as ideias e chegam como tradutoras de um mundo incrível que elas desconhecem. Contam novidades. Outras ganham com empatia. Crianças quando recebem atenção de verdade se afeiçoam. As divertidas têm passe livre para o universo infantil. Com graça, estabelecem rapidamente uma ponte com o outro. O humor faz o emburrado gargalhar e o triste sorrir. Traz uma nova perspectiva. Deveria ser vendido aos quilos.

Há muitas maneiras de agradar uma criança, mas começo a desconfiar que são poucas e quase sempre as mesmas mancadas capazes de condenar ao fracasso a interação entre adultos e pessoas recém-chegadas ao mundo. São atitudes que as afastam, tais como: 

Ignorar a presença da criança

Nunca mais vou esquecer de um atendimento prestado numa emergência em Brasília. Nossa filha mais velha tinha pouco mais de 2 anos e era o que podemos definir como uma criança colaborativa. Não encrencava nas consultas médicas. Boazinha que só.
Naquela noite, no entanto, uma febre de quase 40 graus não lhe deixava em paz e nos preocupava. Ao entrarmos na pequena sala para o exame clínico, fomos recebidos por uma pediatra de jaleco branco em pé e meio de costas. De costas continuou. Pegou o bloco, a caneta e começou a nos interrogar, sem levantar o rosto para cumprimentar. Ignorou a criança. Eu me perguntava em que momento ela olharia para minha filha não só para dizer olá, mas para verificar o semblante caído, a disposição geral. O primeiro contato visual foi travado na hora do exame. De chofre, a médica pediu "abre a boquinha pra tia". Conforme esperado, a criança não abriu a boquinha. Não só porque a médica não era sua tia mas porque não tinha passado por nenhuma preliminar de bom gosto. A consulta não terminou bem, como vocês podem imaginar. Num primeiro momento, eu e meu marido tentamos convencer a criança a deixar-se examinar, diante de uma médica cada vez mais impaciente. "Se ela não colaborar, não vai dar para examinar", disse a médica, um tanto irritada, despertando meus instintos protetores. Aí a coisa desandou porque solicitei outra pediatra e deixei uma pista para a moça tentar melhorar da próxima vez. "Você sequer olhou para ela!".
Pode ser que a pessoa tenha notado a presença da criança, mas muitas vezes age como se não a tivesse visto. Olha rapidamente, diz “que bonitinha“, daí vira pro adulto do lado e pergunta “qual o nome dela? Quantos anos tem?“.

Na pressa de sermos educados, vamos logo respondendo mas não deveríamos. Esse tipo de atitude só vale se a criança não puder ou não souber falar ainda. Ou se deixar claro que não tá a fim de papo. Daí a conversa segue no andar de cima. Lembre-se: dê oportunidade para a própria criança falar de si mesma.  

Forçar intimidade

Esse é um pecado muito comum. A pessoa acaba de ser apresentada ao seu filho, daí pede beijo, abraço e outras provas de amor à primeira vista. Gente sem-noção tem pra todo lado, mas o nível de autopercepção cai muito diante dos pequenos. Queria uma explicação científica para isso. As pessoas se sentem desobrigadas de seguir certas etiquetas sociais com elas. Por quê?

É como se as crianças não tivessem direito a serem reservadas. Se ela se recusa a dar um beijo, é retraída. Se não desenvolve a conversa proposta - mesmo que chata - é tímida. O responsável tenta explicar, "não, ela não é sempre assim não, não é Fulaninha?", mas Fulaninha já deu as costas, fechou a cara e a frase se perdeu antes do fim.   
Crianças são rotuladas sem dó nem piedade. São presas fáceis para estereótipos.

Sem perceber, muitos adultos cometem um erro aparentemente inofensivo. Comportam-se como se intimidade fosse item da nossa carga genética. "Sou amiga da sua avó", diz a senhora boazinha, se apresentando. Ótimo. Eis uma informação objetiva para a criança. Aí a pessoa completa: agora senta aqui no meu colo e vem cá me contar uma coisa...Oi?
Pode ser que funcione, mas ninguém herda amizades dos avós, dos pais, dos tios ou de quem quer que seja. Para a criança, aquela pessoa, íntima da família há décadas, é uma estranha. Tem que entender isso.

Muitas vezes, por educação, queremos que nossos filhos sejam a encarnação de um manual de etiqueta, o que seria ótimo, eu sei. Temos que lembrá-los o tempo todo certos padrões. Cumprimentou? Disse “bom dia“?

Também sofro quando minhas pequenas me deixam com cara de tacho e resolvem emudecer por completo diante do inesperado. Mas preciso reconhecer que muita gente espera que o cumprimento evolua para uma incrível manifestação de apreço e sociabilidade. Não dá. Cachorrinhos fazem festinha para o primeiro que aparece. Filhote da gente, não. 

Menosprezar o gosto das crianças

Durante muito tempo, acreditei que tratar mal as crianças era bater ou simplesmente não cuidar delas com carinho. Essa é a dupla do mal que costuma assombrar famílias com bebês em casa. E é por essa preocupação que damos início à nossa nova rotina de pais. E se a babá perder a paciência com ela? For ríspida? E se a assistente da creche não tiver carinho com meu bebê? E se essa vizinha bondosa que topou me ajudar for do tipo que grita com um incapaz porque depois ninguém irá saber?

São muitos "e se" aterrorizantes que povoam nossa cabeça. Um bebê não conta depois o que se passou na nossa ausência. Com o tempo percebi o quanto estava enganada. Há muitas outras maneiras mais sutis de se tratar mal uma criança.

Faça com que elas sintam que você é uma pessoa estranha dentro de casa. Cuide mas não brinque. Alimente mas não as conquiste. Menospreze as brincadeiras delas e ignore suas preferências, mesmo as mais inofensivas. 
"Não, você não vai mais beber água no seu copinho rosa porque EU não quero", é uma frase que expressa uma infeliz necessidade de alguém exercer o poder em cima do seu filho. Soa como tortura. E é. Ao ignorar a preferência da criança sempre, um adulto estará erguendo uma invisível e intransponível barreira nesse relacionamento fadado ao fracasso.  

Dar apelidos pejorativos

Quando eu era pequena, tinha uns "tios" que adoravam me chamar de bicho-do-mato porque eu nunca queria papo com eles e me escondia atrás da minha mãe. Quanto mais eles insistiam no apelido, mais eu fugia deles. Achava insuportável ser comparada a um bicho, mesmo que esse animal habitasse o mundo das metáforas. Felizmente o apelido não pegou, bicho-do-mato cresceu e passou a ganhar a vida conversando, ouvindo e falando bastante com as pessoas. Que coisa. Você pode até estar achando que era bullying. Esquece. Era uma brincadeira de mal gosto mesmo, do tipo que ainda vemos muito por aí.

Certa vez, vi um menino de uns quatro anos tentando chutar um adulto. O homem ria e continha o garoto com o braço esticado evitando sua aproximação pela testa.

“Para, cabeção, qual é, é brincadeira“ - dizia o adulto, enquanto a criança continuava demonstrando toda sua indignação num rompante de raiva e chutes.

Eu também tive vontade de chutar.

A capacidade de uma criança absorver certas piadas que mexem diretamente com sua autoestima é muito frágil. Diria até nula em muitas circunstâncias. Xingamentos descem mal, mesmo quando eles se afastam totalmente de uma análise fiel da realidade. É muito fácil ofender alguém cujo repertório de respostas para a vida ainda está em formação.  

Falar em tatibitati

Soar doce é uma preocupação natural da parte de quem quer se aproximar de um ser delicado. Bebês são delicados e costumamos falar doce com eles, o que não significa falar errado, trocando o R pelo L, o C pelo T e por aí vai. Fica engraçado, mal não faz, mas depois que o bebê cresce e vira uma criança...

No elevador, a ascensorista puxa conversa com uma menina, 2 anos e pouco presumíveis.
– Tê tá tomanto o tuquinho todo, tá?

– Não estou entendendo o que você tá falando – respondeu a criança, que soltou o canudinho para tentar se comunicar da melhor maneira possível com a moça que falava na língua do T.

Para irritar crianças maiores, não precisa nem apelar pro tatibitati. Basta o tom, aquele típico de uma infantilização forçada, que foge do natural e irrita até quem está perto. As crianças se fecham contrariadas. Não raro, você terá que fazer cara de paisagem quando seu filho lançar para você aquele olhar de quem vai dizer em um minuto: por que estão falando assim comigo?
Agora sendo realista: estabelecer uma conversa com crianças pode ser um desafio, ainda mais se você não estiver (mais) acostumado com elas. Muita gente não sabe o que fazer, fica visivelmente desconfortável. Mesmo sendo mãe e tendo dois exemplares em casa, sei que lidar com os filhos dos outros mexe com nossas convicções. Será que minhas táticas vão funcionar com eles também? 
Minha dica é trate crianças como pessoas normais. Não infantilize o vocabulário nem fique procurando frases muito simples pra se fazer entender. Se elas não entenderem, vão perguntar. Não subestime a inteligência infantil. Diminua apenas o seu tamanho. Se ela te olhar no olho, tanto melhor. Já será uma baita ajuda. Se a criança te surpreender com alguma pergunta impertinente ou constrangedora, lembre-se que o humor é sempre uma ótima saída com os pequenos. 
• Você sempre foi careca?

• Quando eu era bebê tinha mais cabelo! Eles estão caindo.

• De todas as partes do seu corpo? Até do...?   
Reconheça o valor da curiosidade. “Boa pergunta!“

“Adultos que sabem lidar com criança não sufocam seu novo conhecido com entusiasmo demais nem começam de imediato um interrogatório investigativo (Quantos anos você tem? Onde você estuda?). Na realidade, mantêm uma certa distância primeiro, deixando que a criança aqueça a relação, talvez descobrindo algum assunto de interesse dela ou em comum e perguntando a ela sobre isso“, diz Alfie Kohn, em Unconditional Parenting, livro que inspirou duas colunas anteriores sobre castigos e recompensas.

Os adultos que têm jeito com criança prestam atenção e escutam o outro, mesmo que ele tenha menos de um metro e trinta. O nome disso é respeito.

FONTE: Isabel Clemente
site: Revista Época

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

PLANEJAMENTO NÃO É MAGIA

A FALÁCIA DO PLANEJAMENTO

Em dado momento da sua carreira, Daniel Kahneman viu-se envolvido em um projeto do Ministério da Educação de Israel, cuja finalidade era criar uma nova disciplina no currículo universitário: Economia Comportamental.

O grupo, composto por Kahneman e seus colegas, reunia-se semanalmente e após um ano de trabalho já havia escrito alguns capítulos do livro-texto, bem como boa parte do syllabus.


Foi quando resolveram olhar para a frente – mais precisamente para o fim do projeto: cada um deveria escrever num pedaço de papel quanto tempo estimava que o projeto ainda levaria para ser concluído*.
A média apurada foi de dois anos, sendo que o menor prazo considerado foi um ano e, o maior, dois anos e meio.

Um dos integrantes do grupo já participara de outras iniciativas semelhantes e foi-lhe perguntado, então, qual a média real que ele havia observado nos casos que acompanhou. Quiseram saber, também, se algum deles não fora concluído.

As respostas chocaram o grupo: uma nova disciplina levava entre sete e dez anos para ser estruturada e cerca de 40% dos planejamentos jamais chegavam a ser finalizados.

Daniel Kahneman estava vivendo na pele um fenômeno que, mais tarde, ele próprio batizaria de falácia do planejamento. São situções nas quais decisões são tomadas sob a influência de um otimismo irreal e injustificável, em vez de uma racional avaliação de prós, contras e suas respectivas probabilidades.
Segundo Kahneman, estimativas ficam muito distantes da realidade na medida em que se aproximam demais dos melhores resultados obtidos (algo como se você estimasse seu tempo numa corrida de 100 m tomando Usain Bolt como referência) e não são confrontadas com os histórico de casos semelhantes.


Repare que, no caso em questão, o especialista no assunto também fez uma previsão completamente fora daquilo que ele mesmo tinha como parâmetro de comparação – mas que, incrivelmente, ele não levou em consideração.

O resultado disto é que empresas embarcam, muitas vezes, em projetos claramente fadados ao fracasso iludidas por um pernicioso viés otimista. Ao classificar o viés de otimismo como um dos mais viéses cognitivos mais significativos, Kahneman alerta que
“(…) muitos de nós enxergamos o mundo como mais benigno do que ele realmente é, nossos próprios atributos como mais favoráveis do que realmente são e as metas que adotamos como mais alcançáveis do que parecem ser. Tendemos, também, a exagerar nossa habilidade de prever o futuro, alimentando uma confiança demasiadamente otimista.”

Como forma de precaver-se do viés de otimismo, Kahneman toma emprestado de Gary Klein uma interessante ideia: a autópsia prévia, isto é: em vez de esperar o projeto morrer, suponha que ele morreu de fato e tente ver o que deu errado. Em suas palavras:
“Imagine que estamos um ano na frente. Implementamos o plano da forma como ele está agora. O resultado foi um desastre. Em cinco ou dez minutos, escreva uma breve história deste fracasso.”
Neste simples exercício de futurologia, você deverá imaginar que tudo o que planejou deu errado e tentar encontrar as possíveis causas. Um curioso exercício de criatividade pessimista (ou realista?), em que a ficção pode ajudar a evitar uma trágica realidade.

Em tempo: o planejamento levou oito anos para ser concluído – mas jamais foi utilizado. Alguns anos depois Daniel Kahneman recebeu um Prêmio Nobel em Economia.

* Esta é a maneira correta de se colher a opinião de um grupo sobre um assunto pontual, evitando cair na armadilha do groupthinking ou na tentação de um rápido consenso.
Texto publicado originalmente em http://www.pharmacoaching.com.br/2012/03/a-falacia-do-planejamento.html

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Fragmentos



Aproveitar o tempo! 
Mas o que é o tempo, que eu o aproveite? 
Aproveitar o tempo! 
Nenhum dia sem linha... 
O trabalho honesto e superior... 
......
Aproveitar o tempo!
Desde que comecei a escrever passaram cinco minutos.
Aproveitei-os ou não?
Se não sei se os aproveitei, que saberei de outros minutos?! 
....
Aproveitar o tempo!
Ah, deixem-me não aproveitar nada!
Nem tempo, nem ser, nem memórias de tempo ou de ser!...
Deixem-me ser uma folha de árvore, titilada por brisa,
A poeira de uma estrada involuntária e sozinha,
O vinco deixado na estrada pelas rodas enquanto não vêm outras,
O pião do garoto, que vai a parar,
E oscila, no mesmo movimento que o da alma,
E cai, como caem os deuses, no chão do Destino

Álvaro de Campos