sábado, 26 de maio de 2012

O preconceito sustentado por estudos “científicos”.



Este mês, duas notícias vindas dos Estados Unidos repercutem na mídia e nas redes sociais dos brasileiros. A primeira foi à declaração do presidente Barack Obama que, em plena campanha para reeleição, defende o casamento gay. Um gesto importante, tendo em vista que uma grande parte do povo americano defende valores conservadores. E para esses conservadores, a família constituída por dois homens ou duas mulheres, não tem o direito de ser legalizada pelo Estado.
Não nos cabe criticar os conservadores americanos. Afinal, segundo as informações que nos chegam pela mídia, nas Américas, só a Argentina conseguiu superar o preconceito de alguns grupos conservadores e aprovar o direito civil do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Bem diferente da situação atual do continente europeu. Em 1989, a Dinamarca aprovou, por lei, as relações entre pessoas do mesmo sexo. Logo em seguida, a Noruega admite a união de casais homossexuais. Mas coube a Holanda, o status de ser o primeiro país a permitir o casamento homoafetivo.
A segunda notícia, e a de maior impacto contra o preconceito, veio do meio científico. Em uma carta, publicada na revista acadêmica Arquivos do comportamento sexual, o dr. Robert L. Spitzer, o proclamado pai da psiquiatria moderna, reconsidera a conclusão de sua pesquisa publicada nesta mesma revista em 2001. Admite os erros de seu estudo e pede desculpas aos homossexuais que, influenciados por ele, acreditaram poder mudar sua opção sexual através de um processo terapêutico.
A terapia reparativa, às vezes chamada de terapia de “conversão” ou “reorientação sexual”, parte de uma leitura preconceituosa da teoria freudiana da bissexualidade, e é usada, principalmente, entre grupos religiosos. Em sua pesquisa, Spitzer recrutou 200 pessoas dos centros que realizavam a terapia. Entrevistou cada uma por telefone, perguntando sobre seus impulsos sexuais, sentimentos, comportamentos antes e depois da terapia, classificando as respostas em uma escala.
A pesquisa apresentava sérios problemas. Ela se baseava no que as pessoas se lembravam de sentir anos antes, e não testava uma terapia em particular. “Apenas metade dos participantes se tratou com terapeutas, enquanto outros trabalharam com conselheiros pastorais ou em grupos independentes de estudos da Bíblia”.
Na publicação do resultado da pesquisa, Spitzer não deixou implícito nas suas conclusões que ser gay era uma opção, ou que era possível para qualquer um que quisesse mudar fazê-lo com terapia. Mas isso não impediu grupos conservadores e religiosos de citarem o estudo em apoio a suas ideias.
Agora, 11 anos depois da publicação, em entrevista a um jornal americano Spitzer confessa o seu erro: “É o único arrependimento que tenho; o único profissional. E eu acho que, na história da psiquiatria, eu não creio que tenha visto um cientista escrever uma carta dizendo que os dados estavam lá, mas foram interpretados erroneamente... Que tenha admitido isso e pedido desculpas aos seus leitores. Isso é alguma coisa, você não acha?”

terça-feira, 22 de maio de 2012

A Busca De Um Ideal Materno


“Você é mãe suficiente?” Com essa questão, e uma imagem no mínimo incomum aos padrões ocidentais, a revista americana Time levanta uma polêmica que há muito tempo foi esquecida. O tema, pivô da polêmica, continua sendo as diretrizes, impostas pela conclusão de experimentos científicos, que pretende definir os padrões de comportamento da “mãe ideal”.

Partindo de pesquisas que comprovam a importância do aleitamento materno na constituição do desenvolvimento físico da criança, a revista recupera a antiga teoria attachment parenting, que nos anos 80 causou muito impacto, e discussões acirradas, na área da psicologia infantil. Confesso que sou bastante cética, e questiono a confiabilidade de pesquisas que parecem se esforçar para encontrar provas a favor de uma conclusão determinada.

Esse ceticismo é consequência de anos de trabalho no consultório. Na escuta de tantas e variadas histórias, aprendi que somente no campo da ética podemos tentar definir regras e arranjos sociais que mais conduzem ao florescimento humano. Embora seja mais fácil acreditar em mudanças comportamentais. 

Amamentar o filho por três ou cinco anos, pode fazer bem ao desenvolvimento físico do bebê. Não vou questionar essa conclusão. O que questiono é o suposto benefício psicológico desse ato. Será que uma mãe que não consegue amamentar o seu bebê pode ser considerada uma péssima mãe? Quantas mães não puderam amamentar nem mesmo por um mês? Quantas mães amorosas, com um desejo sincero de amamentar por meses o bebê, já receberam a indicação de pediatras para iniciar, logo nos primeiros meses, uma alimentação suplementar?

Pela importância da singularidade de cada história, preocupa-me as generalizações. Mães são seres capazes de absorver muita culpa. A maioria das mulheres deseja sinceramente dar o melhor de si quando assumem a função da maternidade. Um desejo nada fácil de ser realizado. Daí advém as mais variadas culpas, e a sensação de estar sempre em falta.

É bem provável que uma mãe feliz e responsável por suas funções faça mais bem ao filho, do que uma mãe amamentadora. Nutrir é uma função materna importante, mas não é a única.
 

quinta-feira, 17 de maio de 2012

A escola do machismo é em casa



Por: Maria Rita Khel - Psicanalista

O machismo, o que é? É a masculinidade acuada. Na falta de entender o que é ser um homem e qual a diferença fundamental que permite que um homem situe seu desejo em relação a uma mulher, o macho acuado interpreta o enigma da diferença entre os sexos como uma desigualdade de valor. Segundo a lógica da masculinidade acuada, do homem inseguro diante do enigma da diferença sexual, as mulheres não seriam diferentes dos homens – seriam inferiores. A prova disso – como são resistentes à evolução dos costumes as teorias sexuais infantis! – é que lhes falta alguma coisa no corpo, bem onde, nos homens, o falo se evidencia.



Isto se “aprende” em casa, isto é: na passagem pelo complexo de Édipo. A estratégia machista do menino se torna ainda mais consistente se a fantasia da inferioridade feminina também funcionar na relação entre o pai e a mãe.

A escola talvez seja o espaço privilegiado, hoje, do “politicamente correto”. Não sei se a escola, enquanto instituição, reproduz os pressupostos da superioridade masculina. Mas infelizmente (ou por isso mesmo?) não é a escola que socializa nossas crianças. Antes dela, está a televisão. E dentre a aparente variedade de mensagens veiculadas pela televisão, a hegemonia é da publicidade. A publicidade representa, ainda que não tenha esta intenção, a segunda escola do sexismo contemporâneo. É na publicidade que as crianças, meninos e meninas, “aprendem” a equivalência entre os corpos femininos e as mercadorias. O corpo da mulher serve para agregar valor a todos os objetos em oferta no mercado. Uma mulher vale uma cerveja; vale um cartão de crédito; vale um automóvel; vale um analgésico; um provedor da internet; uma marca de tintas; um banco.

Dizer que a publicidade ensina que o valor das pessoas se mede pelo que elas podem comprar já é um truísmo. Só que as mulheres, ou melhor, os belos corpos das belas mulheres, já não se servem das mercadorias, mas servem a elas. Há exceções. Algumas valem mais do que o produto que anunciam. Não necessariamente as mais bonitas. Nem as mais talentosas: as mais caras. Uma Daniela, uma Gisele – estas não se vendem a qualquer um. Diante dos cifrões que reluzem no sorriso delas o macho comum se curva, inferiorizado. E vai descontar nas outras – essas rampeiras baratas! – sua nova humilhação.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

O Vazio Devastador da Separação.






“Todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira.” Com esta frase, Tolstói introduz o leitor no universo de Anna Kariênina. Um dos seus mais famosos romances, escrito entre 1873 e 1877.

É longo o tempo que nos separa da personagem do romance. No entanto, o seu sofrimento, causado pela separação do marido e do filho, ressoa na história de muitas mulheres ainda hoje. Os nossos valores morais não são mais aqueles do século XIX, e a emancipação econômica das mulheres provocou a mudança de vários valores comportamentais. Mas, mesmo com tantas mudanças, ainda é muito difícil aceitar que uma mulher, que ocupa a função de mãe e esposa, se apaixone por outro homem e deseje viver essa paixão. Mesmo que, para isso, necessite desfazer o seu casamento.

Quando esta paixão “acidental” acontece na vida de um homem, ela é rapidamente absorvida pelo grupo familiar e social que o cerca. Ou seja, ainda é mais fácil para um homem pedir a separação e entrar em um novo relacionamento, do que para uma mulher. Embora a dor narcísica causada pela separação seja igual para ambos os sexos.

Porém, há algo que diferencia esse tipo de separação – quando se é trocado por outro parceiro – que a torna muito mais difícil para certos homens. Esse algo está no fato de que muitos deles transformam suas parceiras em um objeto fetichista. Objeto fetichista é aquele objeto, privilegiado por alguns homens, como objeto erótico. Um objeto fetichista por excelência é o sapato: é o mais conhecido, mas não é o único. Existem vários objetos da vestimenta feminina que podem ser elevados à categoria de fetiche. Entre eles, claro, o próprio corpo feminino. Veja que aqui não é o ser da mulher que está em jogo, mas o seu corpo.

Todo ser humano cria a sua própria fantasia erótica. Essa fantasia é uma cena, uma imagem que se constrói mentalmente e que possui características singulares. O objeto fetichista, quando constituído, ocupa um lugar central na fantasia masculina. Se ele vem a faltar o homem não consegue provocar erotização em si mesmo: não consegue se erotizar. Quando uma mulher ocupa a função desse objeto na vida erótica do homem, ou melhor, quando o corpo da mulher ocupa essa função, a perda desse corpo é sentida como a perda de um objeto muito valioso. Mais valioso que a própria imagem narcísica: que seu próprio eu. E saber que este objeto vai ser perdido para sempre - afinal, ela está apaixonada por outro - tem um efeito desesperador.

Em alguns casos, o desejo masculino é o de transformar esse objeto iluminado num abjeto asqueroso. Foi o que aconteceu com o marido de Anna. Tirou-lhe toda a dignidade. Denegriu sua vida de uma forma tão violenta, que ela própria não conseguiu mais viver consigo mesma. Em outros casos, os mais trágicos, o homem prefere eliminar esse objeto a perdê-lo. Essa foi a opção de Otelo, na tragédia de Shakespeare. Uma opção devastadora que, como sabemos, está se repetindo com muita frequência nos dias de hoje.

domingo, 6 de maio de 2012

Os paradoxos da Convivência


A grande dificuldade de convivência entre as pessoas se fundamenta no fato de que o ser humano é um ser social por natureza e, simultaneamente, um ser egocêntrico. Como seres sociais, temos muita dificuldade em viver sozinhos, e por sermos egocêntricos somos, ao mesmo tempo, incapazes de conceber aos nossos semelhantes os mesmos privilégios que nos concebemos. Portanto, sozinhos não conseguimos viver e, paradoxalmente, com o outro também é difícil.
O “outro” que é causa da nossa felicidade é, também, causa de sentimentos difíceis de conviver, como raiva, frustração e magoa. Mesmos as pessoas que mais amamos não escapam a essa dificuldade inerente a todos os relacionamentos. Na verdade, aquelas pessoas que mais amamos são as que nos causam maiores dores. É mais fácil esquecer os maus tratos de alguém que está fora do nosso círculo afetivo, do que os maus tratos das pessoas que amamos.
Essa carência afetiva, que sentimos na convivência daqueles que amamos, é causada pelas grandes expectativas que colocamos sobre eles. Esperamos que eles estejam sempre prontos a nos ajudar, dar apoio e nos fazer felizes. Nosso egocentrismo nos leva a pensar que o outro é responsável pela nossa felicidade. E que essa responsabilidade deveria ser maior que os seus próprios desejos e interesses. Aqueles que amamos tem o dever de nos amar mais do que a si próprios. De colocar nossos desejos e vontades acima de seus próprios.
Embora seja essa a mais profunda das nossas fantasias egocêntrica, ela pouca vezes se realiza. Afinal, nossos queridos – pai, mãe, marido, mulher, irmãos e amigos -, também são egocêntricos. Eles também esperam que coloquemos seus desejos antes do nosso: que nos sacrifiquemos por eles. Coisa que nem sempre estamos dispostos a fazer. O que é muito saudável para o nosso ego. Afinal, qualquer relacionamento que exige grandes e contínuos sacrifícios acaba ficando tão pesado que deixa de valer a pena. 
O que precisamos para mantermos bons relacionamentos, ou para parar de sofrer tanto dentro dos relacionamentos, é admitir que essa grande fantasia de que os outros são responsáveis pela nossa felicidade, é apenas uma fantasia egocêntrica. Que o ego tem essa estranha mania de se sentir o centro do mundo, e esquece que o mundo tem vários centros. Às vezes, estamos no centro das atenções dos outros, isso nos causa grande prazer. Mas, a maioria das vezes, somos apenas uma estrelinha no universo de milhares de estrelas egocêntricas, e temos que aprender a viver com isso.