segunda-feira, 14 de maio de 2012

O Vazio Devastador da Separação.






“Todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira.” Com esta frase, Tolstói introduz o leitor no universo de Anna Kariênina. Um dos seus mais famosos romances, escrito entre 1873 e 1877.

É longo o tempo que nos separa da personagem do romance. No entanto, o seu sofrimento, causado pela separação do marido e do filho, ressoa na história de muitas mulheres ainda hoje. Os nossos valores morais não são mais aqueles do século XIX, e a emancipação econômica das mulheres provocou a mudança de vários valores comportamentais. Mas, mesmo com tantas mudanças, ainda é muito difícil aceitar que uma mulher, que ocupa a função de mãe e esposa, se apaixone por outro homem e deseje viver essa paixão. Mesmo que, para isso, necessite desfazer o seu casamento.

Quando esta paixão “acidental” acontece na vida de um homem, ela é rapidamente absorvida pelo grupo familiar e social que o cerca. Ou seja, ainda é mais fácil para um homem pedir a separação e entrar em um novo relacionamento, do que para uma mulher. Embora a dor narcísica causada pela separação seja igual para ambos os sexos.

Porém, há algo que diferencia esse tipo de separação – quando se é trocado por outro parceiro – que a torna muito mais difícil para certos homens. Esse algo está no fato de que muitos deles transformam suas parceiras em um objeto fetichista. Objeto fetichista é aquele objeto, privilegiado por alguns homens, como objeto erótico. Um objeto fetichista por excelência é o sapato: é o mais conhecido, mas não é o único. Existem vários objetos da vestimenta feminina que podem ser elevados à categoria de fetiche. Entre eles, claro, o próprio corpo feminino. Veja que aqui não é o ser da mulher que está em jogo, mas o seu corpo.

Todo ser humano cria a sua própria fantasia erótica. Essa fantasia é uma cena, uma imagem que se constrói mentalmente e que possui características singulares. O objeto fetichista, quando constituído, ocupa um lugar central na fantasia masculina. Se ele vem a faltar o homem não consegue provocar erotização em si mesmo: não consegue se erotizar. Quando uma mulher ocupa a função desse objeto na vida erótica do homem, ou melhor, quando o corpo da mulher ocupa essa função, a perda desse corpo é sentida como a perda de um objeto muito valioso. Mais valioso que a própria imagem narcísica: que seu próprio eu. E saber que este objeto vai ser perdido para sempre - afinal, ela está apaixonada por outro - tem um efeito desesperador.

Em alguns casos, o desejo masculino é o de transformar esse objeto iluminado num abjeto asqueroso. Foi o que aconteceu com o marido de Anna. Tirou-lhe toda a dignidade. Denegriu sua vida de uma forma tão violenta, que ela própria não conseguiu mais viver consigo mesma. Em outros casos, os mais trágicos, o homem prefere eliminar esse objeto a perdê-lo. Essa foi a opção de Otelo, na tragédia de Shakespeare. Uma opção devastadora que, como sabemos, está se repetindo com muita frequência nos dias de hoje.

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