segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

VIRGINIA WOOLF



 Se para você final de ano é sinônimo de sossego e tempo livre, um bom livro é um companheiro ideal para essas semanas cheias de feriados. Mas, se você é daquelas pessoas que aproveitam os feriados para viajar, o livro é um companheiro que transforma as horas dentro de um ônibus ou de avião, em momentos de puro deleite.  Férias na praia, no campo, em barraca ou hotel exigem a companhia de um livro. Portanto, aí vai uma sugestão.

O valor do Riso, de Virginia Woolf, é uma série de ensaios que agrada o paladar de quase todo mundo. São 28 ensaios, quase todos inéditos no Brasil, que vão desdobrando o mundo literário do início do século XX com paciência, habilidade e refinamento.

“Batendo pernas nas ruas: uma aventura em Londres”, é um adorável ensaio autobiográfico. Ele inicia assim:

Talvez ninguém nunca tenha sentido tanta paixão por um lápis. Mas há circunstâncias em que pode ser supremamente desejável possuir um; momentos em que nos dispomos a ter um objeto, tendo assim um objetivo, um pretexto para andar pela metade de Londres entre o chá e o jantar. Como um caçador de raposas caça para preservar a linhagem dos cavalos, e o golfista joga para que espaços abertos possam ser preservados da ação das construtoras, assim, quando o desejo de sair perambulando pelas ruas nos vence, o lápis bem que serve de pretexto, e levantamo-nos dizendo: “Realmente eu preciso comprar um lápis”, como se com essa desculpa por disfarce pudéssemos fruir com segurança do maior prazer da vida da cidade no inverno – perambular pelas ruas de Londres. Convém que a hora seja à tardinha e a estação o inverno, porque no inverno o brilho achampanhado do ar e a sociabilidade das ruas são por demais agradáveis. ...

Gostou? Então, não se esquece de por na bolsa ou na sua bag for traveling.

O valor do Riso
Virginia Woolf
Editora: COSACNAIF




quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Charles Baudelaire




EMBRIAGUEM-SE

É preciso estar sempre embriagado. Aí está: eis a única questão. Para não sentirem o fardo horrível do Tempo que verga e inclina para a terra, é preciso que se embriaguem sem descanso.

Com quê? Com vinho, poesia ou virtude, a escolher. Mas embriaguem-se.

E se, porventura, nos degraus de um palácio, sobre a relva verde de um fosso, na solidão morna do quarto, a embriaguez diminuir ou desaparecer quando você acordar, pergunte ao vento, à vaga, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo que flui, a tudo que geme, a tudo que gira, a tudo que canta, a tudo que fala, pergunte que horas são; e o vento, a vaga, a estrela, o pássaro, o relógio responderão: "É hora de embriagar-se! 

Para não serem os escravos martirizados do Tempo, embriaguem-se; embriaguem-se sem descanso". Com vinho, poesia ou virtude, a escolher.

In: Pequenos Poemas em Prosa


terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Fracasso Escolar: Erros e Acertos




No texto a baixo, Andrea Ramal propõe que aluno, família e escola participem da resolução dos problemas gerados pelo mau desempenho escolar. São soluções que ajudam a diminuir os traumas, os transtornos e as cenas dramáticas; tão comuns nesses momentos.


 Meu filho ficou em recuperação: E agora?

Andrea Ramal

Dezembro é mês de alegria para muitas famílias e tensão para outras. Enquanto alguns estudantes planejam suas férias, outros enfrentam o desafio de estudar em dobro: é o caso de quem ficou em recuperação. Se o seu filho está nessa, saiba que, embora o primeiro impulso de muitos pais seja dar broncas, agora é mais produtivo acompanhar os estudos e motivá-lo a se esforçar ao máximo.

Evite fazer ameaças e dizer coisas como: “Por sua culpa a família toda ficará sem viajar”, ou “se for reprovado, será um ano inteiro sem videogame”. De modo algum diga frases que enfraqueçam a sua autoestima, como: “Nunca tirou essa nota, como vai conseguir agora?”, ou “seu irmão passou direto, e veja só você”.

Não adianta descontar nele o seu desapontamento, o estudante já está fragilizado. Ninguém está mais aborrecido do que ele, pois a maioria dos colegas vai se divertir, enquanto ele corre o risco de perder um ano. Por isso, dê apoio, mostre confiança e deixe claro que ele tem um aliado para superar o problema.

O que você pode fazer? Se o seu filho é criança, ajude-o a organizar a agenda de estudos; procure os professores para receber orientações; suspenda temporariamente as atividades extras; acompanhe a realização das tarefas. 

No caso de adolescentes, é preciso limitar os horários de TV e games, a duração dos papos pelo telefone, as saídas com amigos, o namoro, as redes sociais. Explique que não se trata de um castigo, mas de colocar o foco no objetivo deste momento. Isso será um aprendizado e tanto para outras etapas da vida.

Considere a possibilidade de contar com um professor particular. Não é algo que os educadores gostem de recomendar, pois, em geral, os alunos recebem ao longo dos meses, na própria escola, toda a orientação necessária para aprender. Contratar professores a esta altura, com o estudante “pendurado”, pode reforçar uma visão de que os pais sempre “dão um jeito” para livrá-lo dos problemas.

Porém, pode haver uma dificuldade específica de aprendizagem. Observa-se naquele caso do aluno que estuda, se esforça e, ainda assim, não vai bem. Uma ajuda pontual, nestas circunstâncias, pode ser positiva. Se a família não tiver condições de arcar com o custo das aulas, pode criar um grupo de estudos. Às vezes, a matéria explicada por um amigo fica até mais fácil de entender.

Passada a recuperação, é momento de refletir sobre o papel dos três implicados: o aluno, a família e a escola. No processo de aprendizagem, eles precisam trabalhar em sinergia e tanto a aprovação como o insucesso têm uma parcela de cada um.

No caso do estudante, os pais precisam conversar para saber o que houve. Os motivos foram ligados à atitude pessoal, como falta de estudo, brincadeira em excesso, desorganização? O problema ocorreu em várias matérias, ou numa em especial? Como pensa evitar isso no futuro? 

A família também precisa se questionar. A recuperação foi uma surpresa, ou já estavam prevendo? O mau desempenho vai sendo construído aos poucos, não é algo que se descobre de repente. Pode ser que os pais não estejam acompanhando os estudos. E pode haver outras coisas implicadas, como problemas de relacionamento na turma, conflitos familiares, algum distúrbio de aprendizagem, ou outro problema que a família ainda desconheça.

Por fim, cabe um questionamento à escola. Quando um aluno não aprende no tempo previsto, o colégio deve refletir se cuidou de cada um, de forma personalizada. Não adianta andar com a matéria se um grupo não aprendeu.

Além disso, a escola precisa verificar se há muitos alunos na mesma situação. Será que o nível de exigência está alto demais para a idade? O método das aulas funciona? Há algum problema com a turma – por exemplo, o “grupinho da bagunça” impede os outros de aprender, ou há um conflito entre os estudantes? 

Vale lembrar que a recuperação do final de ano não resolve tudo. O que funciona é a recuperação paralela, com classes de reforço, ou atividades na própria aula. Esse método é bem mais eficaz, pois resolve as lacunas de aprendizagem ao longo do ano. Por isso, é adotado pelas melhores escolas. Afinal, o objetivo da educação não é “passar de ano”; o que importa mesmo é garantir que todos os estudantes aprendam de verdade.

FONTE: Site G1


quarta-feira, 19 de novembro de 2014

CURSO



PÓS-GRADUAÇÃO

DISCURSOS SOBRE A SEXUALIDADE

Psicanálise, Literatura e Filosofia.



INICIO: 06 DE MARÇO DE 2015

LOCAL: FACVEST - FLORIANÓPOLIS-SC


PROFESSORA: MARIA HOLTHAUSEN

CONVIDADO: MARCOS JOSÉ MÜLLER


PERIODICIDADE: MENSAL 

HORÁRIOS: SEXTA-FEIRA - 19:00 às 22:00 h

                     SÁBADO - 08:30 às 12:00 h
                                       13:30 às 17:30 h

CARGA HORÁRIO: 360h - 24 meses


INFORMAÇÕES: FACVEST - (48) 3371-0259

                          FACVEST/GISELY - (48) 9982-5282

                Maria Holthausen: (48) 9957-7654


O que pode haver de comum entre a atitude do ciumento Bartolo - personagem da opera “O Barbeiro de Sevilha”, que guarda sua amada Rosina confinada para poder desfrutá-la mais tarde – e a atitude de um jovem que, nos dias de hoje, droga-se para procrastinar a ejaculação e, assim, assegurar a continuidade da excitação?

No que o Don Juan retratado por Mozart em sua ópera Don Giovanni é assim tão distinto da fugacidade das relações em tempos pós-modernos? 
Que relação pode haver entre a exortação econômica ao consumo - especialmente daquilo que está em liquidação - e as diferentes formas de controle sexual, desde aquelas exercidas pelo Estado até os rituais obsessivos compartilhados pelos amantes?

Trata-se de questões instigantes, das quais se ocuparam os mais diversos discursos. Não somente na ciência e na religião, também na arte, na literatura e na filosofia, foram produzidos muitas reflexões com o objetivo de elevar o entendimento sobre a sexualidade mais além do moralismo e da dominação ideológica. Como os diferentes discursos sobre a sexualidade podem refletir e refletir-se em nossa vida em particular?

A polifonia em torno do significante “sexo” não autoriza mais os discursos dogmáticos proferidos cada qual a partir de um saber específico. Já não se pode mais interpretar a sexualidade humana como efeito exclusivo da verdade, da moral, da pulsão, do desejo, do gozo, do biopoder, do erotismo... Mas todos estes temas contribuem para que os discursos sobre a sexualidade comuniquem entre si contextos e práticas aparentemente desconectadas, como o discurso privado de cada qual como paciente, as ficções literárias e as reflexões políticas.

Especular sobre o comércio e interface entre os dizeres sexuais produzidos nos espaços clínicos, literários e políticos é a intenção maior deste curso. A partir de dinâmicas grupais e estudos dirigidos de textos, propomos uma discussão sobre algumas das principais referenciais no assunto.

Mais do que um curso teórico, trata-se de um curso de desenvolvimento pessoal A partir de dinâmicas grupais e vivências terapêuticas, abordaremos os mais representativos discursos literários, psicanalíticos e filosóficos, tais como os de Freud, Lacan, Foucault, Merleau-Ponty, Clarice Lispector, Octávio Paz, Georges Bataille que tratam sobre a problemática da vivência sexual do indivíduo: sedução, ciúme, traição, disfunções e outros mais.


quarta-feira, 28 de maio de 2014

Fobia Social: Medo de quê?



A Fobia Social se apresenta através de um medo persistente, irracional e desproporcional de um objeto ou atividade, que não são realmente perigosas. Essa definição, didaticamente apresentada, parece simples e fácil de assimilar. Porém, para aqueles que sofrem de algum tipo de fobia social ela significa muito pouco.

Afinal, como definir o enorme mal estar físico causado por uma situação fóbica?  Acredito que seria melhor definir a fobia como medo de ter medo. Um medo causado por algo que não se sabe o que é. A pessoa sabe que tem medo, mas não sabe do que tem medo.  Por isso mesmo, o sentimento mais comumente identificado pelas pessoas que enfrentam algum tipo de fobia na sua vida cotidiana é o de vergonha.

Vergonha, por exemplo, de não conseguir sentar tranquilo em um restaurante, com os amigos ou a(o) namorada(o), e desfrutar prazerosamente uma boa refeição. Para os que sofrem com a fobia de “comer em público” essa experiência, que parece tão comum a qualquer mortal, causa um sofrimento enorme. Um sofrimento que, na maioria das vezes, começa na hora do convite. 

Se a fobia é generalizada, a pessoa vai achar um meio de recusar os convites que surgirem. A ideia de entrar em um restaurante e comer com pessoas estranhas olhando para ela causa tanta ansiedade, que a melhor solução é se recusar a participar desses encontros sociais.

Felizmente, para alguns, a fobia não é tão generalizada e vai-se encontrando meios de contornar a ansiedade. Em alguns casos, levar um parente ajuda a aliviar a angústia. Em outros, é a escolha do lugar em que vai sentar dentro do restaurante, que pode aliviar a angústia. Uma mesa de canto, uma cadeira que permita que a pessoa fique de costa para o público. Ou até, simplesmente, não ocupar as mesas que ficam nas varandas ou calçadas em frente ao restaurante, já resolve. 

Nesses casos, a pessoa consegue esconder a fobia dos amigos e, às vezes, até mesmo da família. Infelizmente, não consegue esconder de si mesmo. Cada vez que vai a um restaurante dispara a ansiedade e com ela a frustração de não conseguir controlar uma situação tão comum do dia a dia.

A fobia de “comer em público” é apenas uma no quadro das chamadas Fobias Sociais. O medo de “falar em público” é outra fobia bastante comum. A maioria das pessoas sofre alguma inibição quando tem que falar em público. Mas a fobia de falar em público vai muito além da inibição. No quadro de inibição as mãos tremem levemente, a pessoa fica ruborizada, dá um branco logo no início da fala. Sintomas que durante a apresentação vão diminuindo, ou ficando muito leve.

Mas, quando a inibição se transforma em fobia, muitas vezes, a pessoa começa a sofrer semanas antes da data da apresentação. De início a ideia provoca aflição, depois agonia e, por fim, torna-se um tormento. Na véspera, a situação fica caótica e podem aparecer sintomas como: dor de cabeça, diarreia, insônia, excesso de suor, tosse nervosa, tremores e forte angústia. No dia da apresentação tudo parece sair do controle. A vergonha, a ansiedade e o medo que se transforma em pânico, alcançam graus inimagináveis. É como um fogo que se alastra sem controle, fazendo com que a pessoa perca totalmente o domínio da situação. Dificilmente a tarefa de falar em público consegue ser realizada.

É claro que essas fobias causam muito sofrimento. Elas restringem a vida social e podem tornar-se um pesadelo no ambiente profissional. Mas não podemos esquecer que elas causam, também, muita vergonha. É este sentimento de vergonha que faz com que a pessoa tente esconder sua dor, na esperança que um dia ela passe. Para elas, até buscar ajuda profissional fica difícil. Pois como confessar um medo que a principio não tem sentido algum?

Embora cause tanta dor, a fobia é uma estratégia defensiva do ego, desenvolvida para lutar contra a angústia. Ou seja, num trabalho terapêutico não é a fobia que está em causa, mas o nível de angústia suportado pelo sujeito. Conforme nos mostra Freud no caso do Pequeno Hans, foi falando sobre suas angústias diárias que o menino superou a sua fobia por cavalos.


 Maria Holthausen



quarta-feira, 16 de abril de 2014

Amor: Que não seja imortal, posto que é chama...


Como se conserta um coração partido?

As dores de cotovelo talvez sejam o motivo mais comum de sofrimento humano. Aqui, na China, em toda parte. Sobretudo entre os jovens. Não transcorre um segundo neste planeta azul sem que um coração seja partido, com terríveis consequências pessoais. Quem sofre não consegue trabalhar, dormir ou comer direito. É uma catástrofe íntima que só a vitima é capaz de dimensionar.

Numa entrevista recente, o Paulo Coelho disse ter pesquisado entre seus milhões de seguidores na internet as causas mais comuns da depressão. Sua conclusão? Traição. Eu, arrogantemente, me arrisco a reinterpretar o resultado da pesquisa do escritor famoso. Não é traição. É desilusão amorosa a causa de tristeza e depressões. As pessoas frequentemente confundem as duas coisas.

A moça foi deixada pelo rapaz e sente-se traída por ele. Um rapaz foi trocado por outro e diz para si mesmo que foi traído pela namorada. Mas foi mesmo? Talvez em alguns casos ocorra um ato tão pérfido que mereça o uso da palavra “traição”. Mas, na maior parte das vezes, as pessoas sentem-se traídas porque foram abandonadas, porque deixaram de ser amadas, porque aquilo que gostariam que existisse não existe mais. Acusar de traição deve ser mais fácil do que gemer no escuro sem ter a quem incriminar. Ou assim me parece.

Qualquer que sejam suas origens, não há dúvida de que a dor de cotovelo é um problema universal. Tanto é verdade que os americanos, que são gente prática, estão tentando entender cientificamente o processo, para melhor superá-lo. Uma pesquisa feita em duas universidades concluiu, faz alguns dias, que a melhor maneira de remendar um coração partido é envolver-se com outra pessoa, rapidamente.

Os pesquisadores compararam gente que buscou consolo nos braços de um novo parceiro com gente que escolheu sofrer sozinha as dores da separação. Concluíram que quem se enfiou na cama de alguém se sentiu melhor do que quem ficou sozinho, chorando no sofá. A auto-estima estava mais alta e eles se mostravam mais seguros ao lidar com os ex-parceiros. Os americanos chamam esses namoros para esquecer o ex de “relacionamento rebote” - e a opinião dos cientistas é que eles, efetivamente, ajudam a superar o passado.

Vocês acreditam nisso? Eu não. Por meia dúzia de razões importantes.

A primeira é que nunca – repito NUNCA – vi ninguém levar o fora num relacionamento importante e ficar feliz com outra pessoa na sequência. Já vi gente tentando, mas nunca vi funcionar. Pelo contrário. As pessoas que fazem isso se atrapalham, machucam os outros e a cabeça delas fica um lixo. Continuam sofrendo, claro, miseravelmente. Essa é a regra quando se gosta muito.

Quando não se gosta tanto assim, ou quando não se gosta mais, fica mais fácil. Aí basta uma cara nova, um corpo novo, para ajudar a remendar a autoestima avariada. Mas quem esteve apaixonado de verdade não supera um pé na bunda assim na boa. Por um motivo essencial: quem parte fica dentro de nós. Por algum tempo, inevitavelmente, estará lá. Vai morar nos nossos sonhos e dividir conosco as horas do dia. É uma ausência enorme, maior do que a pessoa de verdade. Mesmo que ela não mereça, mesmo que não seja assim uma coca-cola. Mesmo assim.

Quem vive esse pequeno inferno gostaria que fosse diferente. Se fosse possível arrumar um namoro de consolo e deixar os sentimentos de abandono para trás seria perfeito. Mas como se troca um João por um Rodrigo de uma hora para outra? Eles falam de maneira diferente, pensam de forma diferente, agem cada um do seu jeito. Como se substitui uma Maria por uma Rosana? Seus sorrisos são tão diferentes, elas não têm os mesmos sentimentos, reagem de forma distinta diante da chuva, do sol, da cena besta do filme. Não dá.
Nossos sentimentos não são genéricos. Eles se aplicam a uma única pessoa de cada vez. São como roupas feitas sob medida, cortadas milimetricamente. A cada novo amor temos de começar do zero, fazer de novo. Afinal, é um sentimento novo em folha, que serve apenas àquele ser humano que nos inspira. Ele tem nossa cara e nosso estilo (é o nosso jeito de amar, naturalmente), mas tem as formas e as medidas de quem nos toca o coração. Uma coisa dessas não se improvisa. Tampouco desaparece em dois dias.

Se os pesquisadores americanos dissessem que depois de um rompimento é bom se distrair, eu concordaria entusiasticamente.

Encontrar os amigos, sair de casa, conhecer outras pessoas. Isso tudo faz bem, porque não mexe com sentimentos profundos. Quando se está assim, na merda, é bom perceber que outras pessoas se interessam pela gente. É bom sentir que somos capazes de perceber gente interessante. Mas, por favor, devagar com o andor. Conhecer, conversar, rir, flertar um bocadinho, tudo bem. Essas coisas distraem e atenuam a dor. Mas, no primeiro beijo na boca, na primeira vez que a mão percorre o outro corpo, desastre: lá vêem as lembranças, começam as comparações, surge aquela avalanche de sentimentos depressivos e o caos se instala dentro de nós. Melhor evitar, eu acho. Melhor ficar no flerte e na conversa. Eles não machucam e ajudam a cicatrizar. Também não queimam seu filme com aquele ser humano ali ao lado, que pode vir a ser importante quando essa crise passar. Pense nisso.

Texto de Ivan Martins
Fonte: Site Revista Época


sábado, 5 de abril de 2014

Ainda queremos casar.




Casamento, a perversão consentida.

A tradição liberal tende a definir o casamento como um contrato realizado entre duas pessoas, no livre exercício de sua liberdade e faculdades mentais. Um contrato que inscreve os envolvidos em um discurso, por meio do qual o Estado reconhece tal união, prescrevendo, a partir daí, direitos e deveres ligados à descendência e à herança do casal. No direito canônico e para a maior parte dos ritos cristãos da Antiguidade o casamento era apenas uma forma de reconhecimento de um laço entre pessoas. Os nubentes se casam, o padre, o juiz ou correlatos apenas testemunham, divulgam ou celebram. 

Hoje, assim como há uma força que pressiona rumo à ampliação das modalidades de casamento, há outra que tende a reduzir a importância do contrato. Na experiência clínica são cada vez mais frequentes situações de casais que vivem juntos e que se consideram casados, até que um filho, uma herança ou um plano de saúde os separem. Sentimos que o contrato informal e íntimo é a essência de uma relação amorosa e que tal ligação deve perdurar por seus próprios motivos. O combinado, neste caso, acrescenta um incômodo signo de inautenticidade ao que é, afinal e antes de tudo, um pacto de amor entre dois. Mas, como pensam outros tantos, uma relação que não tem estatuto de lei é uma forma de amor acanhada e incompleta. Como um namoro secreto que entre quatro paredes ganha tórrida intensidade, mas que fora dali parece feito de mentira e destituído de realidade. Os dois lados parecem ter suas razões: o verdadeiro amor é livre, somente se, livremente, renunciar a sua liberdade. 

Foi Immanuel Kant, um célebre celibatário, quem observou a natureza problemática do enlace ao perguntar: “Se o casamento é um contrato, que tipo de lei realiza?”. A resposta é que se trataria de uma espécie de confusão consentida entre uma lei condicionada à propriedade, que regula a relação entre pessoas e coisas, e a lei de tipo comunitária, que organiza a relação entre pessoas. Isso porque o casamento dispõe sobre certo tipo de uso do corpo do outro (propriedade), assim como sobre uma forma de vida comum, livre e justa (comunalidade). Portanto, o contrato mistura, de modo confuso, mas ainda assim deliberado, duas dimensões que sabemos serem independentes: o sexo e as trocas sociais. O sexo suspende a equidade das trocas sociais, introduz relações de uso, abuso e exclusividade entre quase coisas. Por outro lado, a igualdade jurídica cria uma suspensão das diferenças, distinções e diversidades instituindo a figura de quase pessoas (que ignora as pessoas reais, seus desejos reais e seus gozos inconstantes). Fundamentando o casamento como contrato temos então uma lei baseada em um equívoco, que trata pessoas como coisas e coisas como pessoas, que demanda regulação pelo Estado de um ato privado, que fixa a paixão de ser objeto e eterniza nossa condição de instrumento para o outro. Tudo isso junto e misturado é o que se chama clinicamente de perversão. Conclusão: o casamento é uma perversão consentida. Se Kant tinha razão, nossa crescente covardia diante dessa união como contrato é mais um sinal de nossa normalopatia.

Christian Ingo Lenz Dunker

Fonte: Revista Mente e Cérebro

quarta-feira, 26 de março de 2014

Todas as cartas de amor são ridículas





Todas as cartas de amor...

Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.

As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.

Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.

A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)


Álvaro de Campos, 21/10/1935

A Cultura do Narcisismo



A cultura da Indiferença

O livro Cultura do narcisismo escrito por Christopher Lash em 1979 é um clássico. O autor descreve o modo de vida americano nos anos 70, retratando uma sociedade na qual a participação na esfera pública entrava em declínio e as pessoas enfrentavam dificuldades para reconhecer sua própria história. O livro é premonitório em vários sentidos: apresenta o horror à velhice, à feminilização da cultura, à autoridade burocrático-permissiva, à educação como mercadoria, à autopromoção por meio de “imagens de vitória” e ao paternalismo sem pai.

O texto de Lash mostra como o que era diagnosticado como patologia narcísica ou limítrofe nos anos 50 torna-se uma espécie de “normalidade compulsória” depois de duas décadas. Para que alguém seja considerado “bem-sucedido” é trivialmente esperado que manipule sua própria imagem como se fosse um personagem, com a consequente perda do sentimento de autenticidade, dramatizando a vida em forma de espetáculo, com o correlativo complexo de impostura ou olhar para o trabalho como se ele fosse uma maratona olímpica e, a pessoa, um herói predestinado.

Mas havia um capítulo subtraído da descrição de Lash ao qual o psicanalista Jurandir Freire Costa se refere, tendo em vista o caso brasileiro: a violência. Ao contrário do narcisismo americano que produzia sentimentos de vazio, isolamento e solidão, o narcisismo à brasileira é capaz de inverter inadvertidamente a docilidade em violência. Seria preciso voltar a três hipóteses sobre a brasilidade para entender este fenômeno.

Para Sérgio Buarque de Holanda nossa contribuição aos costumes universais está na cordialidade com a qual combinamos vícios públicos e benefícios privados. Nosso “manejo” da lei explica a dificuldade de reconhecer problemas comuns e de engendrar verdadeiras transformações. Daí a formação de uma docilidade que nada mais é do que resignação, ressentimento e conformidade. Para os modernistas como Oswald e Mário de Andrade, nossa violência é um caso exagerado de complexo canibal de devoração do Outro. Nosso consumo do estrangeiro é ao mesmo tempo violência e submissão, impotência e desmesura, caráter e autoironia. Finalmente, para Gilberto Freire violência e docilidade convivem bem em razão das inversões propiciadas pela sexualidade, na qual o mais fraco pode dominar o mais forte para em seguida ser submetido vingativamente por este.

Se o narcisismo nada mais é que a patologia normal do amor, percebe-se que as três hipóteses sobre a gênese de nossa violência narcísica respondem por três maneiras distintas de negar o amor como paradigma da relação de reconhecimento: invertendo-o em ódio invejoso dirigido ao dominador, como mostra Freire em Casa grande e senzala, projetando-o no Outro plenipotente a ser expoliado, conforme o Manifesto antropofágico, de Osvald de Andrade, ou mimetizando desamparo diante daquele que é o dono da lei, como em Raízes do Brasil, de Buarque de Holanda.  Freud dizia que o amor é uma pulsão especial porque ela admite três e não apenas uma negação, como a maior parte das pulsões. Amar opõe-se a ser amado, como no canibalismo-­cordial, mas também a odiar como na dominação-cordial.

Contudo, a oposição real se dá entre amor e indiferença. O amor não acaba quando odiamos o outro ou quando queremos lhe fazer o mesmo que nos fez, mas quando nos tornamos indiferentes. Este é o narcisismo de alta periculosidade, pois passa da docilidade à violência baseado apenas na experiência de admitir ou negar a existência do outro. Na cordialidade, na antropofagia ou na dominação sexual a existência do outro está prevista, bem como as alternativas de reconhecimento. Algo diferente se passa quando nossa cultura da indiferença é forçada a reconhecer aqueles que, até então, não existiam. E isso sempre será percebido como violência. Mas de quem?

Christian Ingo Lenz Dunker

Fonte: Revista Mente & Cérebro

quarta-feira, 12 de março de 2014

Philautia: O amor-próprio





Philautia: Um último amor conhecido pelos gregos era philautia, ou amor-próprio, que à primeira vista parece o oposto de ágape* - um rival que o destruiria. Os sábios gregos, no entanto, percebiam que ele se manifestava sob duas formas. Havia um tipo negativo de amor-próprio, um desejo ardente e egoísta de obter prazeres pessoais, dinheiro e honrarias públicas muito além da cota justa. Seus perigos foram revelados no mito de Narciso, o irresistível jovem que se apaixona pelo próprio reflexo num lago e, incapaz de se afastar, pereceu ali de inanição. A má reputação do amor-próprio persistiu no pensamento ocidental: no século XVI, o teólogo francês João Calvino descreveu-o como uma “peste”, ao passo que Freud o via como um redirecionamento patológico da nossa libido para nós mesmos, tornando-se incapaz de amar os outros.

Por sorte, Aristóteles havia reconhecido uma versão mais positiva do amor-próprio, que intensificava nossa capacidade de amor. “Todos os sentimentos amistosos pelos outros”, escreveu ele, “são extensões dos sentimentos de um homem por si mesmo.” A mensagem era que, quando gostamos de nós e nos sentimos seguros de nós mesmos, temos amor em abundância para dar. De maneira semelhante, se sabemos o que nos faz felizes, estaremos em melhores condições para estender essa felicidade aos que nos cercam. Se, por outro lado, estamos em desconforto com o que somos, ou alimentamos alguma aversão por nós mesmos, teremos pouco amor a oferecer aos outros. Ao que parece, deveríamos aprender a amar a nós mesmos de uma maneira que não se transforme num sentimento arrebatador de obsessão por nós. Isso significa, no mínimo, aceitar nossas imperfeições e reconhecer humildemente nossos talentos individuais, em vez de sempre olhar para nossos defeitos e inadequações.

Agape: Amor que devia ser estendido desinteressadamente a todos os seres humanos.

Roman Krznaric, Sobre a arte de viver


domingo, 9 de março de 2014

Ainda o Segundo Sexo




Fragmento do livro O Segundo Sexo, de Simone de Beauvoir, escrito em 1949. Como podemos concluir através do texto, o projeto de vida  das mulheres não mudou muito nesses últimos 65 anos.


Hoje o casamento conserva em grande parte esse aspecto tradicional. E, antes de tudo, impõem-se muito mais imperiosamente à jovem do que ao jovem. Há ainda importantes camadas sociais em que nenhuma outra perspectiva se propõe a ela; entre os camponeses a celibatária é um pária; fica sendo a serva do pai, dos irmãos, do cunhado; o êxodo para as cidades não está a seu alcance; o casamento, escravizando-a a um homem, faz dela dona do lar. Em certos meios burgueses ainda se deixa a moça na incapacidade de ganhar a vida; ela só pode vegetar como um parasita no lar paterno ou aceitar uma posição subalterna em algum lar estranho. Mesmo nos casos em que ela é mais emancipada, o privilégio econômico detido pelos homens incita-a a preferir o casamento a um ofício: ela procurará um marido de situação superior à sua própria, esperando que ele “vença” mais depressa, vá mais longe do que ela seria capaz...
É natural que (ela) seja tentada por essa facilidade tanto mais quanto os ofícios femininos são muitas vezes ingratos e mal remunerados; o casamento é uma carreira mais vantajosa do que muitas outras...
Numerosas norte-americanas conquistaram sua liberdade sexual, mas suas experiências assemelham-se às dos jovens primitivos descritos por Malinowsky, que gozam na Casa dos Celibatários prazeres sem consequências; espera-se deles que se casem, e é somente então que são encarados como adultos. Uma mulher só, na America do Norte, mais ainda do que na França, é um ser socialmente incompleto, ainda que ganhe sua vida; cumpre que traga uma aliança no dedo para que conquiste a dignidade, integral de uma pessoa e a plenitude de seus direitos. A maternidade, em particular, só é respeitada na mulher casada; a mãe solteira permanece um objeto de escândalo e o filho é para ela um pesado handicap. Por todas essas razões, muitas adolescentes do Velho e do Novo Mundo, interrogadas acerca de seus projetos de futuro, respondem hoje como o teriam feito outrora: “Quero casar-me”.

quinta-feira, 6 de março de 2014

Por que tanto medo?



Mia Couto: Sobre o Medo


O medo foi um dos meus primeiros mestres. Antes de ganhar confiança em celestiais criaturas, aprendi a temer monstros, fantasmas e demônios. Os anjos, quando chegaram, já era para me guardarem, os anjos atuavam como uma espécie de agentes de segurança privada das almas. Nem sempre os que me protegiam sabiam da diferença entre sentimento e realidade. Isso acontecia, por exemplo, quando me ensinavam a recear os desconhecidos.

Na realidade, a maior parte da violência contra as crianças sempre foi praticada não por estranhos, mas por parentes e conhecidos. Os fantasmas que serviam na minha infância reproduziam esse velho engano de que estamos mais seguros em ambientes que reconhecemos. Os meus anjos da guarda tinham a ingenuidade de acreditar que eu estaria mais protegido apenas por não me aventurar para além da fronteira da minha língua, da minha cultura, do meu território. O medo foi, afinal, o mestre que mais me fez desaprender.

Quando deixei a minha casa natal, uma invisível mão roubava-me a coragem de viver e a audácia de ser eu mesmo. No horizonte vislumbravam-se mais muros do que estradas. Nessa altura, algo me sugeria o seguinte: que há neste mundo mais medo de coisas más do que coisas más propriamente ditas.

No Moçambique  colonial em que nasci e cresci, a narrativa do medo tinha um invejável casting internacional: os chineses que comiam crianças, os chamados terroristas que lutavam pela independência do país, e um ateu barbudo com um nome alemão. Esses fantasmas tiveram o fim de todos os fantasmas: morreram quando morreu o medo. Os chineses abriram restaurantes junto à nossa porta, os ditos terroristas são governantes respeitáveis e Karl Marx, o ateu barbudo, é um simpático avô que não deixou descendência. O preço dessa narrativa de terror foi, no entanto, trágico para o continente africano. Em nome da luta contra o comunismo cometeram-se as mais indizíveis barbaridades. Em nome da segurança mundial foram colocados e conservados no Poder alguns dos ditadores mais sanguinários de toda a história. 

A mais grave herança dessa longa intervenção externa é a facilidade com que as elites africanas continuam a culpar os outros pelos seus próprios fracassos. A Guerra-Fria esfriou mas o maniqueísmo que a sustinha não desarmou, inventando rapidamente outras geografias do medo, a Oriente e a Ocidente. Para responder às novas entidades demoníacas não bastam os seculares meios de governação. Precisamos de investimento divino, precisamos de intervenção de poderes que estão para além da força humana. O que era ideologia passou a ser crença, o que era política tornou-se religião, o que era religião passou a ser estratégia de poder. Para fabricar armas é preciso fabricar inimigos. Para produzir inimigos é imperioso sustentar fantasmas.

A manutenção desse alvoroço requer um dispendioso aparato e um batalhão de especialistas que, em segredo, tomam decisões em nosso nome. Eis o que nos dizem: para superarmos as ameaças domésticas precisamos de mais polícia, mais prisões, mais segurança privada e menos privacidade. Para enfrentarmos as ameaças globais precisamos de mais exércitos, mais serviços secretos e a suspensão temporária da nossa cidadania. Todos sabemos que o caminho verdadeiro tem que ser outro. Todos sabemos que esse outro caminho começaria pelo desejo de conhecermos melhor esses que, de um e do outro lado, aprendemos a chamar de “eles”. Aos adversários políticos e militares, juntam-se agora o clima, a demografia e as epidemias. O sentimento que se criou é o seguinte: a realidade é perigosa, a natureza é traiçoeira e a humanidade é imprevisível. Vivemos – como cidadãos e como espécie – em permanente limiar de emergência. Como em qualquer estado de sítio, as liberdades individuais devem ser contidas, a privacidade pode ser invadida e a racionalidade deve ser suspensa.

Todas estas restrições servem para que não sejam feitas perguntas incomodas como estas: porque motivo à crise financeira não atingiu a indústria de armamento? Porque motivo se gastou, apenas o ano passado, um trilhão e meio de dólares com armamento militar? Porque razão os que hoje tentam proteger os civis na Líbia, são exatamente os que mais armas venderam ao regime do coronel Kadaffi? Porque motivo se realizam mais seminários sobre segurança do que sobre justiça? Se queremos resolver (e não apenas discutir) a segurança mundial – teremos que enfrentar ameaças bem reais e urgentes.

Há uma arma de destruição massiva que está sendo usada todos os dias, em todo o mundo, sem que seja preciso o pretexto da guerra. Essa arma chama-se fome. Em pleno século 21, um em cada seis seres humanos passa fome. O custo para superar a fome mundial seria uma fração muito pequena do que se gasta em armamento. A fome será, sem dúvida, a maior causa de insegurança do nosso tempo. Mencionarei ainda outra silenciada violência: em todo o mundo, uma em cada três mulheres foi ou será vítima de violência física ou sexual durante o seu tempo de vida. É verdade que sobre uma grande parte de nosso planeta pesa uma condenação antecipada pelo fato simples de serem mulheres. A nossa indignação, porém, é bem menor que o medo. Sem darmos conta, fomos convertidos em soldados de um exército sem nome, e como militares sem farda deixamos de questionar. Deixamos de fazer perguntas e de discutir razões. As questões de ética são esquecidas porque está provada a barbaridade dos outros. E porque estamos em guerra, não temos que fazer prova de coerência, nem de ética e nem de legalidade.

É sintomático que a única construção humana que pode ser vista do espaço seja uma muralha. A chamada Grande Muralha foi erguida para proteger a China das guerras e das invasões. A Muralha não evitou conflitos nem parou os invasores. Possivelmente, morreram mais chineses construindo a Muralha do que vítimas das invasões que realmente aconteceram. Diz-se que alguns dos trabalhadores que morreram foram emparedados na sua própria construção. Esses corpos convertidos em muro e pedra são uma metáfora de quanto o medo nos pode aprisionar.

Há muros que separam nações, há muros que dividem pobres e ricos. Mas não há hoje no mundo, muro que separe os que têm medo dos que não têm medo. Sob as mesmas nuvens cinzentas vivemos todos nós do sul e do norte, do ocidente e do oriente. Eduardo Galeano escreveu sobre o medo global: “Os que trabalham têm medo de perder o trabalho. Os que não trabalham têm medo de nunca encontrar trabalho. Quando não têm medo da fome, têm medo da comida. Os civis têm medo dos militares, os militares têm medo da falta de armas, as armas têm medo da falta de guerras. E, se calhar, acrescento agora eu, há quem tenha medo que o medo acabe. 

Mia Couto, in: Conferências de Estoril, 1911






quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

A promessa de aprender a arte de amar


Meus fragmentos de um discurso amoroso:

 Aprender: Pode-se aprender a desempenhar uma atividade em que haja um conjunto de regras invariáveis correspondente a um cenário estável e monotonamente repetitivo que favoreça o aprendizado, a memorização e a manutenção dessa simulação. Num ambiente instável, fixar e adquirir hábitos – marcas registradas do aprendizado exitoso – não são apenas contraproducentes, mas podem mostrar-se fatais em suas consequências. O que é mortal para os ratos dos esgotos urbanos – aquelas criaturas inteligentíssimas capazes de aprender rapidamente a distinguir comidas de iscas venenosas – é o elemento de instabilidade, de desafio às regras, inserido na rede de calhas e dutos subterrâneos pela “alteridade” irregular, inapreensível, imprevisível e verdadeiramente impenetrável de outras criaturas inteligentes – os seres humanos, com sua notória tendência a quebrar a rotina e derrubar a distinção entre o regular e o contingente. Se essa distinção não se sustenta, o aprendizado (entendido como a aquisição de hábitos úteis) está fora de questão.

.... A promessa de aprender a arte de amar é a oferta (falsa, enganosa, mas que se deseja ardentemente que seja verdadeira) de construir a “experiência amorosa” à semelhança de outras mercadorias, que fascinam e seduzem exibindo todas essas características e prometem desejo sem ansiedade, esforço sem suor e resultados sem esforços.
Zygmunt Bauman

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Um ponto de partida na luta contra a depressão



Sem dúvida que um dos grandes problemas da depressão é a perda de qualidade de vida – os sintomas como desânimo, tristeza e irritação frequente afastam os depressivos do convívio com as pessoas, reduzem suas interações sociais e até seu nível de atividade geral. Obesidade, insônia e dores pelo corpo são apenas alguns dos sintomas que se seguem desse quadro.
Um estudo recente mostrou que atividades físicas, mesmo as recreativas, podem reduzir o risco dos sintomas da depressão na vida dos pacientes. Acompanhando a saúde de mais de quinze mil pessoas no Canadá, os pesquisadores se focaram naqueles que tinham boa qualidade de vida, observando o que poderia colocar tal qualidade em risco. Evidentemente a depressão era um fator de risco importante. No entanto, quando as pessoas faziam alguma atividade física, mesmo que sem grande intensidade, o risco diminuía em 70%. Por outro lado, o sedentarismo aumentava em 40% o risco de perder qualidade de vida em pacientes deprimidos.
Segundo a pesquisa, tanto os exercícios leves como os moderados, se feitos diariamente, funcionam tão bem quanto à inclusão de uma nova droga ao tratamento.  Caminhar, andar de bicicleta, passear com o cachorro, nadar: em qualquer dessas atividades a regularidade é fundamental. Afinal, independente da melhora clínica dos sintomas, manter a qualidade de vida já é um grande passo no combate à depressão.

FONTE: Patten SB, Williams JV, Lavorato DH, & Bulloch AG (2013). Recreational physical activity ameliorates some of the negative impact of major depression on health-related quality of life. Frontiers in psychiatry, 4 PMID