Entenda como funciona a
mente de um autista.
Fonte: Revista Super
Interessante
Enquanto
sua irmã gêmea se desenvolvia normalmente, o progresso da canadense Carly
Fleischmann era lento. Logo foi descoberta a razão: aos dois anos de idade, ela
foi diagnosticada com autismo severo. Hoje, Carly é uma adolescente que não
consegue falar – mas encontrou outro meio de se comunicar. Aos 11 anos, ela foi
até o computador, agitada, e fez algo que deixou toda a sua família perplexa:
digitou as palavras DOR e AJUDA e saiu correndo para vomitar no banheiro.
Supostamente,
Carly nunca tinha aprendido a escrever. Mas aquilo mostrou que acontecia muito
mais em sua mente do que qualquer um poderia imaginar. E foi assim que começou
uma nova etapa em sua vida: ela foi incentivada a se comunicar mais desta forma
e a criar contas em redes sociais, como o Twitter e o Facebook. Também ajudou o
pai a escrever um livro sobre a sua condição e deu as informações para a
criação de um site que simula a sua experiência diária com toda a descarga
sensorial que recebe em situações cotidianas, como ir a um café. “O autismo me
trancou em um corpo que eu não posso controlar”, diz ela no site.
Depois que sua história foi para a mídia, Carly começou a receber
muitos e-mails de pessoas perguntando sobre o autismo e criou um canal para esponde-las.
“As pessoas têm muitas de suas informações vindas dos chamados especialistas,
mas eu acho que esses especialistas não conseguem dar uma explicação a algumas
questões”, escreveu.
Veja a resposta que ela deu em seu site e entenda melhor o
comportamento dos autistas:
Pergunta: Meu filho de seis anos fica triste e chora com
frequência, e eu não consigo entender o
porquê. Você tem alguma sugestão de como eu posso descobrir o que está errado?
Carly: Pode ser muitas coisas. Será que ele está tomando algum
medicamento? Eu tive muitas mudanças extremas de humor, como chorar e sentir
raiva sem motivo, por causa da medicação. Também poderia ser algo que aconteceu
mais cedo ou dias atrás e que ele está processando apenas agora.
Alguma vez você gritou aparentemente sem motivo? Por exemplo, você
parecia feliz e relaxada, mas de repente começou a gritar? Minha filha faz isso
às vezes e eu estou tentando descobrir o porquê.
Eu amo esta pergunta. Ela está fazendo uma filtragem dos sons e
quebrando os ruídos e conversas que tem ouvido ao longo do dia. [O cérebro
dos autistas funciona de maneira diferente e se sobrecarrega com estímulos
externos, como sons, luzes, imagens e cheiros. Gritar, tapar os ouvidos, fazer
ruídos ou movimentos repetitivos, segundo Carly, são uma forma de bloquear
esses estímulos e se concentrar em apenas um]. Além dos gritos, você pode
nos ver chorando ou rindo, tendo convulsões e até manifestando raiva. É a nossa
reação ao, finalmente, entender as coisas que foram ditas e feitas no último
minuto, dia ou até mês passado. Sua filha está bem.
Será que você poderia me dizer por que meu filho de quatro anos de
idade (que tem autismo) grita no carro cada vez que paramos em um semáforo. Ele
está bem e feliz enquanto o carro se move, mas, uma vez que paramos, ele grita
e faz uma birra incontrolável.
Eu amo longas viagens de carro, elas são uma ótima forma de
estímulo sem você precisar fazer nada. O movimento do carro e o cenário visual
passando por ele permite que você bloqueie qualquer outra entrada sensorial e
se concentre em apenas uma. Meu conselho é colocar uma cadeira de massagem no
banco do carro. Assim, quando ele parar, seu filho ainda estará sentindo o
movimento. Você pode também colocar um DVD mostrando um cenário em movimento.
De onde você tira tanta informação sobre a cultura pop?
Eu escuto tudo que está acontecendo ao meu redor. Se houver uma TV e eu estou em outro quarto, ainda posso ouvi-la. Se pessoas estão falando, eu gosto de ouvir o que estão dizendo, mesmo se não estão falando comigo. Não é porque eu não pareço estar prestando atenção que esse seja o caso.
Eu escuto tudo que está acontecendo ao meu redor. Se houver uma TV e eu estou em outro quarto, ainda posso ouvi-la. Se pessoas estão falando, eu gosto de ouvir o que estão dizendo, mesmo se não estão falando comigo. Não é porque eu não pareço estar prestando atenção que esse seja o caso.
Em seus sonhos você é autista?
Sim e não. Em alguns dos meus sonhos eu posso falar e fazer coisas
que as crianças da minha idade fazem. Mas em outros eu ainda tenho dificuldade
em fazer as coisas que posso fazer quando estou acordada. Eu sonho com um monte
de coisas, como meninos e alimentos. Eu nem sempre me lembro dos meus sonhos,
mas gosto deles.
Você pode descrever como se sente por dentro? Você acha que é
diferente de crianças que não têm autismo?
O problema é que eu não sei o que as outras crianças sem autismo
estão sentindo. Eu tenho lutas comigo todos os dias, desde que acordo até a
hora de ir dormir. Não posso nem ir ao banheiro sem dizer a mim mesma para não
pegar o sabonete e cheirá-lo ou sem lutar comigo mesma para não esvaziar todos
os frascos de xampu.
Existem coisas que você considera mais desafiadoras, como
abotoar sua roupa ou cortar a comida com uma faca? Por que você acha que não
pode fazer esse tipo de coisa? O que acha que poderíamos fazer para ajudar?
Algumas coisas eu acho que posso fazer, mas é preciso muita
concentração para isso. Ficar sentada e digitar é algo muito avassalador para
mim – eu preciso fazer pausas e dizer a mim mesma para fazê-lo. Eu não acho que
as pessoas realmente sabem como é difícil. Parece tão fácil para todo mundo,
mas é como falar três línguas ao mesmo tempo.
Para ler outras perguntas e respostas, veja o site de Carly.
Texto de: Ana Carolina
Prado
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