Já não temos um modelo ideal de
casamento, porém ainda temos casamentos. Houve uma época em o modelo ideal era
tão consistente que abarcava com seus mitos o vazio e as frustrações entre dois
seres. Na época em que o casamento era uma união indissolúvel, por exemplo, a
dificuldade da convivência era a consequência de uma escolha com a qual
tínhamos que nos responsabilizar.
O mundo anterior do qual estamos nos
despedindo, organizava as relações sociais em torno de símbolos maiores: o pai,
na família; o chefe, na empresa; e a pátria, na sociedade civil. Medíamos nossa
satisfação pela proximidade que conseguíamos do ideal proposto, em cada lugar
que ocupávamos ao longo da vida. Para isso seguíamos uma disciplina
estabelecida em protocolos e procedimentos. Como o mundo era padronizado, o
futuro podia ser previsto. Os pais tinham muito mais segurança na herança moral
que transmitiam aos filhos.
Uma vez perdida essas figuras
típicas do passado, restam, nas relações afetivas, famílias sem modelos. As familiais
contemporâneas ficam órfãs dos seus ideais, reduzindo-se unicamente as
contingências do desejo de cada um. Tudo é simultâneo, ou na ordem das
preferências pessoais. Pode-se ter filhos aos vinte ou aos quarenta anos. Casar-se
quantas vezes quiser, e ter filhos de vários casamentos. As relações
homoafetivas adquirem o estatuto de relação estável. Hoje, muitas crianças são
criadas por dois “pais” ou “duas mães”. Ou então, por vários pais e mães que
vão se sobrepondo um ao outro nas diversas relações do casal. Ou ainda, somente
o pai ou somente a mãe.
Porém, não importa como seja
constituída a família: por cama, ou proveta; hetero ou homossexual; parceira ou
monoparental. A família é a instituição humana que tem a capacidade de fazer
com que nos confrontemos com a nossa história singular. É por entre essas
relações parentais que construímos nossos desejos mais primários. É dela que
recebemos nossa herança genética, cultural e afetiva.
Portanto, mesmo sem um modelo ideal,
a família continua com o dever de assumir a responsabilidade ética dessa
herança.
Maria
Holthausen
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