Não existe uma fórmula mágica para a felicidade. Mas, existe uma
chave que pode abrir muitas portas para ela. Esta chave, acredito, chama-se
coerência com os seus desejos. Se não desejo as mesmas coisas que os meus
amigos desejam, por que tenho que organizar a minha vida de acordo com a vida deles?
O texto de Ruth de Aquino, fala da coragem de assumir as nossas singularidades.
Vida longa ao namoro
RUTH DE AQUINO
Pode não parecer, mas sou romântica. Isso não quer dizer que
precise ganhar flores. Talvez, por isso, nunca nenhum namorado ou marido me
tenha presenteado com rosas. Eles se sentiriam deslocados na cena, no tempo e
no espaço. Digamos que escolhi homens que, como eu, não associam amor a buquês.
Sei que escolhi. Lembro cada vez em que me apaixonei e pensei: agora, é este.
Já ganhei árvores da felicidade... do meu atual namorado. Muito
atual. Completamos 22 anos de namoro em abril. Comemoramos no mesmo mês, mas em
datas diferentes. Eu, no dia em que nos conhecemos – foi uma espécie de
“surpresa à primeira vista”. Ele, no dia em que fizemos amor pela primeira vez.
Convidou-me para dormir em sua casa, por elegância, jamais carência. Voltei
para minha casa. Já ficava claro ali, em abril de 1991, que eu queria apenas
romance, não casamento. Ele também.
Amigos não se conformam quando nos
tratamos de namorado e namorada. Como assim? Isso já virou um casamento! Não
virou. Tenho ex-maridos, pais de meus filhos. Sei o que é morar na mesma casa,
constituir família. Ele tem ex-mulher, mãe de seus filhos. Somos solteiros, não
casamos oficialmente. Existe diferença entre casamento e namoro. Não somos
marido e mulher. Não acreditamos em usucapião no amor.
A atriz Marieta Severo, de 66 anos,
namora há oito o diretor de teatro Aderbal Freire-Filho. Ela falou para a
revista Quem: “Moro na minha casa, ele na dele. Na minha cabeça,
quando não se mora junto, se chama namoro. Gosto que seja namoro. Adoro esse
nome (risos). Já vivi um casamento de 30 anos (com Chico Buarque, de
quem se separou em 1996), está bom. Tenho uma vida familiar intensa, são
sete netos”.
Meu namorado e eu também temos netos.
Esse é outro preconceito com o namoro. Como se apenas jovens pudessem ser
namorados. Às vezes, nos olham de viés e não acreditam. Como se namoros
tivessem prazo de validade para passar à outra etapa. Sabemos que, qualquer
dia, esse namoro pode acabar – talvez só a consciência da precariedade do amor
o salve.
O namoro quase acabou poucas vezes –
quando o Botafogo goleou o Fluminense, ou vice-versa. Não assistimos juntos a
embates diretos. Se um time cismar em humilhar o outro, naquela noite não nos
vemos. O romance sofre sempre que ficamos junto demais e caímos na armadilha
clássica dos maridos e mulheres que implicam, cobram e reclamam. E se tornam
malas. Quantas infidelidades são cometidas por desinteresse, mau humor e
possessividade! Olhem-se no espelho no Dia dos Namorados, mesmo os casados ou
sozinhos, e se perguntem: qual meu índice de chatice no cotidiano?
A primeira dedicatória de um livro de
poesias dele dizia: “Para Ruth, companheira das praias de maio”. Eu tinha 36
anos, ele 42. O único desejo era dar prazer um ao outro, no outono de 1991. Não
era premeditado, tínhamos poucas ilusões. O amor persiste pelo tesão físico e
intelectual. E pela cumplicidade que resiste às diferenças de dois
temperamentos fortes. Sempre fugimos dessa história de se fundir. Ou se
ferrar... Cara-metade é uma expressão assustadora. Quantos se redescobrem quando
viram ex! Conseguem um habeas corpus para o livre agir e
pensar. E se reconhecem no verso de Fernando Pessoa: “Há muito tempo que não
sou eu”.
É duro suportar uma longa solidão, a
irregularidade do sexo. Mas muitas relações não têm salvação. Em 2011, o número
de divórcios no Brasil cresceu 45,6%, segundo o IBGE. Isso significa o fim de
351 mil casamentos num ano. O advogado Luiz Octavio Rocha Miranda disse ao
jornal O Globo que os casais se divorciam por crise
financeira, desemprego do marido, salário superior da mulher, incompatibilidade
cultural. Mais que por traição. Dos 108 processos que comandou nos últimos dois
anos, o casamento mais curto durou a lua de mel. Aumentaram também as
separações de idosos. Um casal, junto há 49 anos, decidiu se divorciar.
“Perguntei à mulher, octogenária, o motivo”, disse Miranda. “Ela disse:
‘Doutor, quero morrer feliz!’.”
As mulheres que não vivem com seus
parceiros mantêm seu desejo muito mais aceso que as mulheres vivendo na mesma
casa com os maridos. A conclusão é de um estudo com 2.500 voluntários, feito
por um psicólogo alemão, Dietrich Klusmann. Por que será? Uma pista: os maridos
param de enxergar suas mulheres, não as olham mais com vontade e fogo. E esse é
um dos maiores afrodisíacos femininos: perceber que ele quer você (ou que ela
quer você, nestes tempos de Daniela Mercury). Se virar móvel ou utensílio, não
há libido que resista.
O poeta e escritor Paulo Mendes
Campos, morto em 1991, escreveu um livro de crônicas chamado O amor
acaba. Foi relançado em abril e esgotou em menos de um mês. Dizem que é
porque o amor anda em alta. Mas quando esteve em baixa?
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