Carta
de Toninho Cerezo para sua filha Léa T.
“Qual
pai um dia não pensou desta maneira? Como seria bom se existisse um manual
completo, que ensinasse e orientasse como ser pai em todas as etapas da vida
dos filhos!
Por
mais que existam livros, manuais, conselhos bem-intencionados, a grande verdade
é que exercer a paternidade vai muito além de conselhos e teorias. Todos sabem
que cabe à paternidade uma parcela da responsabilidade de cuidar, educar,
proteger e preparar os filhos para o ingresso na sociedade. Mas a alma humana é
muito complexa, e estamos bem longe de saber tudo o que esse ser mutante
chamado Homem é capaz de fazer, querer e ser…
Meu
menino, minha menina pra sempre, eternamente, os dois serão meus.
Ainda
no ventre, Leandro foi um filho esperado e amado. Na sua infância, seu sorriso
doce e os cabelos cacheados não me indicavam qualquer tendência, era apenas uma
criança, era apenas meu filho. Com o passar dos anos e a chegada da
adolescência, conheci, na intimidade e nos momentos que passamos juntos, seu
jeito diferente — a clara ausência de predileção por brincadeiras masculinas.
Percebi interesse por assuntos ligados à arte e ao universo feminino.
Por
conta da minha formação familiar ter sido baseada em respeito, cresci em um
ambiente livre e pude escolher jogar futebol e viver apenas com meus dons no
campo. Como não tive o tão sonhado manual, “Como Criar Filhos”, criei os meus
igualmente livres também para suas escolhas, sem cobranças nem imposições.
Apesar de notar as diferenças, percebi também que nada poderia fazer, e tudo o
que poderia dar a ela/ele era o meu amor incondicional, a segurança, o conforto
e a certeza de que, em qualquer circunstância, por mais que longe, eu estaria
sempre ao seu lado.
Em
alguma entrevista, Lea disse que a única coisa que gostaria de ter aprendido no
futebol eram as embaixadinhas (veja só!), e que até tentou aprender, mas não
foi muito bem-sucedida. Sei que trabalho em um ambiente teoricamente machista,
mas nunca houve influência nem espaço para cobranças, apenas dei oportunidade
de estar comigo caso quisesse.
Pode
ser que eu tenha sido negligente como pai, mas não há motivos para frustrações.
Não podemos ser bons em tudo. E você, Lea T. Cerezo, sabe muito mais que
embaixadinhas. Teve coragem de, elegantemente, tentar quebrar paradigmas e
mostrar ao mundo que devemos aceitar, sim, as diferenças, ser tolerantes com a
diversidade, entender e não julgar aquilo que não conhecemos.
O
caminho pode ser longo, mas com certeza não será o mesmo depois de você. A
paternidade é livre de qualquer padrão, de qualquer critério imposto pela
sociedade, filho deve ser aceito na sua totalidade, na sua integral condição de
vida, independentemente de sua orientação sexual.
Como
diria o poeta Cazuza, “O tempo não para, não para, não, não para”, e filho
crescido não cabe mais aos pais educar. Sendo assim, aqui ou lá, torço por
você, Lea. Menino ou menina, Leandro ou Lea, não importa mais, sempre serei seu
pai e você, orgulhosamente, um pedaço de mim.”
Fonte: Site revista Lola.
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