O amor entrou na vida dessa mulher pela porta dos fundos. Não tocou a campainha, não se fez anunciar. Quando ela percebeu, ele já estava lá, muito bem instalado nas entranhas do seu ser, na mais profunda ex-timidade.
Desde então, sua vida racional, disciplinada e plena de sentido desmoronou. A paixão a arrastou para um dos mais sublimes e difíceis lugares da condição humana, que denominamos de “miséria criativa” – miséria de sentido, criativa de invenção.
Buscou um analista na tentativa, desesperada e angustiante, de dar sentido aquilo “que não tem sentido, nem nunca terá”. Como compreender esse amor? Como explicar que uma mulher casada e feliz de repente fosse tomada por uma paixão avassaladora de adolescente? Sentia-se ridícula.
“Como fui me apaixonar por esse homem?” – repetia insistentemente. “Ele não é bonito, não é rico nem mesmo inteligente”. “Mas”, continuava ela, “quando sinto o olhar apaixonado e desejoso dele sobre mim, o sem-sentido ganha vida, não consigo evitar seus abraços.”
Foi preciso deixar que ela repetisse dezenas de vezes essa mesma questão. Foi preciso esperar que a angústia diminuísse para que ela começasse a admitir que o amor se dá no acaso, no encontro, na surpresa, daí dizer que ele foge à consciência, que ele é mágico.
Assim como não há nada a se compreender na delícia de um banho de cachoeira ou na preocupação de uma mãe com um filho, também não há nada a se compreender numa declaração de amor. Não há nenhum por que, e se fosse explicado, perderia o sentido do afeto. Não se pode entender o amor.
Do encontro amoroso não se foge. Ele exige uma posição. Não há forma ou fórmula de fingimento. Essa era a única questão a ser enfrentada. Ou ela criava coragem para iniciar uma nova história ou arrancaria as raízes desse amor de suas entranhas. Nenhuma das alternativas se daria sem dor.
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