Se você não é bom de papo, desenvolva a arte de ouvir. O
resultado pode ser muito compensador. Quer saber por quê? Leia o texto de
Cristiane Segatto.
A garota me pergunta qual é a rotina de um jornalista numa
grande revista semanal. Aos 18 anos, enfrenta a tensão que antecede as provas
do ENEM e de múltiplos vestibulares. Está prestes a encarar a seleção para
Direito em várias faculdades, mas acha que leva jeito para Jornalismo. O pai,
advogado, não gosta da ideia. Está postergando o pagamento da inscrição para o
vestibular da Faculdade Cásper Líbero, uma das principais escolas de
comunicação de São Paulo.
Sem querer, sem planejar, a menina teve uma ótima chance
de saber algo sobre os bastidores de uma redação. Ela e eu fomos convocadas
pela Justiça Eleitoral para trabalhar como mesárias na eleição do último
domingo. Passamos dez horas juntas. Lado a lado, numa situação absolutamente
informal e solidária.
A garota chegou à seção eleitoral com
uma apostila preparatória para as provas do ENEM. Queria aproveitar para
estudar nos longos minutos em que não havia eleitor na sala. De tempos em
tempos, desviava os olhos do caderno e me fazia uma pergunta sobre jornalismo.
Como é? Quanto ganha? Trabalho
demais? Longas madrugadas de ralação? Autonomia para escolher as pautas? Muito
cacique para pouco índio? Glamour? Festas? Gente interessante?
Tentei responder com clareza e
sinceridade. Com o maior interesse, com a maior boa vontade. Não consegui. A
cada pergunta, sequer conseguia concluir uma ou duas frases. Começava a falar e
já era interrompida. Ela falava sem parar. Daquele embate de vozes resultava um
monólogo.
Senti que a garota saiu daquele
encontro do mesmo jeito que entrou. Se fosse jornalista, voltaria à redação com
as mãos e a cabeça vazias – apesar de ter estado com o entrevistado durante dez
horas. Ela ainda não sabe ouvir. Um erro fatal no jornalismo, em muitas outras
profissões, na vida.
Não é a primeira vez que ouço um
estudante dizer que pensa em ser jornalista porque gosta de falar. Gostar de
falar não é uma habilidade fundamental nesta profissão. Em algumas situações,
como no caso dessa estudante, pode até atrapalhar. Para fazer um bom trabalho,
um jornalista não precisa ser um encantador de massas, um comunicador nato como
Chacrinha.
Precisa, necessariamente, saber
ouvir. Os melhores jornalistas que conheço falam pouco. Angustiantemente pouco,
em certos casos. Por outro lado, são esplêndidos ouvintes. Ouvem o que o
interlocutor diz e principalmente o que ele não diz.
Grandes verdades raramente são
verbalizadas. Para revelar o que uma pessoa sente e pensa, de fato, é preciso
ser capaz de captar gestos, vacilos, ambientes, a verdade explícita que
detalhes (os móveis de uma casa, por exemplo) podem denunciar sobre quem os
escolheu.
Em outras profissões não é diferente.
Um psicólogo que não sabe ouvir está fadado ao insucesso. Um médico que não
ouve se transforma numa ameaça constante à saúde pública. Um professor pode ser
condenado a falar eternamente para as paredes. Um advogado, um promotor, um
delegado que não sabe ouvir as palavras que não são ditas estará sempre longe
da verdade.
Bons ouvintes são raros. Cada vez
mais raros. A proliferação dos celulares
transformou as cidades em impérios da incontinência verbal. No ônibus, no
metrô, nos cinemas, em qualquer ambiente fechado, ouvimos a zoada das vozes que
não se encontram.
Alguém dirá que se uma pessoa fala ao
aparelho é sinal de que outra a ouve do lado de lá da linha. Não
necessariamente. Do outro lado alguém ouve e não escuta. Tem urgência em falar,
em vencer o delay que picota a conversa e traz de volta a voz do outro. Aquela
voz que precisa ser instantaneamente subjugada.
Em tempos de falação vazia, nos esquecemos de ouvir. Essa é a causa de qualquer parte de nossos desentendimentos.
Temos muito que aprender com os grandes ouvintes – sejam eles jornalistas,
psicólogos, filósofos, professores, qualquer pessoa que entenda o valor da
escuta bem feita. Qualquer pessoa que tenha paciência e interesse genuíno pelo
outro.
Saber ouvir é também uma característica das pessoas mais
influentes. Pouca gente se dá conta disso. Em geral, acreditamos que líderes
são necessariamente aqueles que dispõem de grande capacidade de expressão
verbal e poder de convencimento. Uma pesquisa publicada recentemente
no Journal of Research in Personality traz um novo ponto de vista.
O pesquisador Daniel Ames da Columbia
University, nos Estados Unidos, coletou informações sobre 274 estudantes de MBA
da East Coast University. Eram moças e rapazes com idade média de 28 anos.
Colegas de trabalho desses
voluntários foram convidados a dar notas sobre o poder de influência de cada.
Deram informações sobre a capacidade deles de fazer um colega mudar de ideia,
capacidade de conquistar apoios para realizar tarefas, capacidade de trabalhar
com pessoas com diferentes opiniões e interesses, capacidade de reverter, a seu
favor, a opinião dos presentes em uma reunião etc.
Os participantes também foram
avaliados em itens capazes de apontar as habilidades de expressão verbal e de
capacidade de ouvir. O que o pesquisador descobriu? Os três achados principais:
Bons ouvintes têm grande poder de influência, independentemente
de sua capacidade verbal. Quem sabe ouvir têm acesso às crenças, aos objetivos,
aos conhecimentos de seus interlocutores. Isso porque as pessoas revelam
informações com mais facilidade quando percebem que o outro tem interesse
genuíno por elas.
A escuta bem feita permite que os bons ouvintes entendam o
contexto das situações e possam direcionar suas tentativas de persuasão no
sentido correto.
Quando as pessoas se sentem ouvidas de forma genuína, elas
tendem a apoiar os bons ouvintes nas mais variadas situações, inclusive nos
embates do ambiente corporativo. Torço pela garota assustada com o
vestibular. Ela tem todo o tempo do mundo para aprender a fazer diferente. Se
eu encontrá-la novamente, vou tentar dizer. Espero que ela me ouça.
Saber ouvir não é só uma questão de sobrevivência na profissão.
É também um fator que contribui para o bem-estar de quem fala e de quem ouve.
Quem ouve e realmente escuta nunca sai de uma conversa do mesmo jeito que
entrou. Sai melhor e mais interessante.
BY: CRISTIANE SEGATTO
FONTE: Revista Época
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