Arrumar a vida, pôr prateleiras na vontade e na acção...
Quero fazer isto agora, como sempre quis, com o mesmo resultado;
Mas que bom ter o propósito claro, firme só na clareza, de fazer
qualquer coisa!
Vou fazer as malas para o Definitivo,
Organizar Álvaro de Campos,
E amanhã ficar na mesma coisa que antes de ontem - um antes de
ontem que é sempre...
Sorrio do conhecimento antecipado da coisa-nenhuma que serei...
Sorrio ao menos; sempre é alguma coisa o sorrir.
Produtos românticos, nós todos...
E se não fôssemos produtos românticos, se calhar não seríamos nada.
Assim se faz a literatura....
Coitadinhos Deuses, assim até se faz a vida!
Os outros também são românticos,
Os outros também não realizam nada, e são ricos e pobres,
Os outros também levam a vida a olhar para as malas e arrumar,
Os outros também dormem ao lado dos papéis meio compostos,
Os outros também são eu.
....
Fernando Pessoa, in: Ficções do Interlúdio
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